Porongos partidos: Batalha ou massacre? Erro ou traição?
O dia 14 de novembro marcará os 180 anos do episódio de Porongos, ocorrido ao final da Revolta Farroupilha. Chamo episódio pois é difícil de dizer se o mesmo foi uma batalha ou um massacre oriundo de uma falha grotesca ou de uma torpe traição, levando-se em conta toda a discussão que é feita, ainda hoje, sobre o fato.
Como diz o jornalista Eduardo "Peninha" Bueno, "a Revolução Farroupilha foi uma guerra que os gauchos perderam, fingem que empataram e comemoram como se tivessem ganho". Em suma, foi "quase uma revolta tributária", eis que se deu, principalmente, devido ao alto imposto cobrado pelo Império sobre o charque gaúcho, como bem sabemos. Envolveu sobretudo os estancieiros da metade sul do Rio Grande, tendo sido combatida por cidades como Porto Alegre, leais ao imperador Pedro II.
Buenas, tudo isso é por demais conhecido. Outro ponto é que a Revolução Farroupilha não foi uma "revolução", mas sim uma das revoltas do Primeiro Reinado, como Cabanagem, Malês, Sabinada e Balaiada. A mais longa e articulada dentre elas, envolvendo a elite política, militar e econômica do estado, mas, ainda sim, uma revolta. E, mais ainda, foi mitificada e ressignificada a partir de 1935 a ponto de se tornar o que nunca pretendeu inicialmente ser: dentre alguns pontos, abolicionista. E é aqui que entra Porongos.
Os famosos Lanceiros Negros foi uma tropa de cavalaria formada por negros cativos, a qual se juntava uma tropa de infantaria. Afirmam historiadores gaúchos que esses eram escravos de proprietários imperialistas, os quais os farrapos recrutavam para a luta sob a promessa de liberdade ao final do conflito. Os escravos dos farrapos permaneceram nas fazendas ou foram "alugados" ao movimento, mediante pagamento. Tudo isso é um debate historiográfico. O fato é que os Lanceiros Negros fizeram a diferença nos campos de batalha, sendo um dos fatores da longevidade da revolta.
Todavia, nos estertores da Farroupilha, tornaram-se uma das questões a entravar as negociações para a rendição farrapa. Em 1844 a escravidão era central para o Brasil Império, cuja economia era nela alicerçada. E o que fazer, então, com os valorosos combatentes afro? Eliminá-los por traição parece ter sido a saída, também envolvida em muitos e acalorados debates até hoje. O fato é que o comandante farrapo David Canabarro cometeu todas as negligências possíveis e inimagináveis frente a aproximação das tropas imperiais chefiadas pelo coronel Moringue.
Em primeiro lugar, alegando motivos disciplinares, recolheu armas e munições da infantaria negra, deixando-os numa parte separada do acampamento em Porongos, junto com os Lanceiros Negros. Em segundo, negligenciou os avisos de que uma tropa imperial se aproximava. Assim, na madrugada do dia 14 de novembro de 1844, os imperiais caíram sobre o acampamento afro, surpreendendo-os e os massacrando. Os lanceiros ofereceram alguma resistência, ineficaz sem o apoio de infantaria armada, sendo que alguns conseguiram escapar.
Como ainda não existiam os rifles de repetição, as armas de fogo deveriam ser recarregadas após cada disparo, o que tornava a infantaria inimiga vulnerável a uma rápida carga de cavalaria lanceira, desde que uma infantaria de apoio tivesse, igualmente, acossando-os. Logo, percebe-se que o ingrediente principal da traição foi desarmar os infantes negros, deixando-os à mercê, sem capacidade de apoiar sua cavalaria. Há inclusive uma carta do Duque de Caxias, comandante imperial, dado contas a Moringue sobre o acerto com Canabarro, que, por sua vez, morreu negando tudo e afirmando ser forjada a missiva, uma tentativa de intriga e difamação por parte dos imperiais.
Logo, para a narrativa que ressignificou a Revolta dos Farrapos, tornando-a, dentre outras coisas, abolicionista, o Massacre de Porongos é uma de suas negações e, sobretudo, grande mácula. Uma traição dessa magnitude desmoraliza a Farroupilha como feito heroico, fragilizando-a enquanto mito fundante da identidade gaúcha e o 20 de Setembro como data magna estadual, mesmo tendo sido indiscutivelmente épico o feito dos farropos.
E esse debate deve ser feito em memória daqueles que efetivamente deram diretamente a vida pela liberdade e, indiretamente, pelo Rio Grande do Sul, principalmente durante o mês da Semana Farroupilha.