Só o Coração Pode Entender
Numa dessas noites, fui pilhado pela formosura de uma jovem. Recuso-me a aceitar que apenas seu rosto pálido e sereno, seus lábios cinzentos com um charme industrial, ou sua postura enérgica e quase militar, revestida na maquiagem de gestos frágeis, pudessem ter me chamado a atenção.
Preferi não partilhar desse encanto venenoso com meus amigos, pois diriam que, mais uma vez, eu estava fascinado por alguém fora dos padrões. Não que eu considere tais afirmações ofensivas, mas sim cansativas ao ressaltar, dia após dia, minha preferência em enxergar a beleza naquelas senhoritas que passam ignoradas nas conversas vulgares dos “galanteadores”. E me sinto bem assim, ainda que ao leitor isso possa aparentar pura insegurança.
Pretendi guardar aquele sentimento tolo — sim, já havia florescido a tal altura — e apenas consentir que meus olhos a celebrassem em minhas olhadelas furtivas, quando estivesse próximo dela. Mas, lamentavelmente, passei a notar que aquele semblante não me era forasteiro. Aos poucos, fui redescobrindo nele reminiscências de anos passados. E, embora inicialmente aparentasse gracioso o retorno de tal “história”, a verdade é que, a partir da descoberta, teria o conhecimento — e a consciência, repetidamente, simboliza a dor — que lidaria, outra vez, com um afeto sem horizonte.