A receita médica e a palavra no dicionário
“Não há ciência sem terminologia”, diz o dicionário cujo título e autoria direi no fim do texto. Pois bem, muitos pacientes não sabem, mas a receita médica tem seis partes: cabeçalho, fecho (com a data, o carimbo e a assinatura do médico), superinscrição, inscrição, subscrição e adscrição. E, acreditem o leitor e a leitora, nada disso é sem sentido. A receita é um documento técnico, e cada parte dessas tem a sua finalidade. E – o que é mais importante – o paciente não precisa saber que elas existem, mas, sabendo ou não sabendo, delas se beneficia. E é indispensável que elas existam na receita.
Com o verbete no dicionário, é parecido. Verbete é a palavra de entrada, a palavra da qual o consulente quer saber o significado. Por exemplo, a palavra “economia”, no Aurélio. Poderia, contudo, ser “edema” ou qualquer outra palavra, assim como qualquer outro dicionário. Lá existem três partes distintas: macroestrutura, microestrutura e medioestrutura. Sim, existem e têm suas finalidades em benefício do consulente, ainda que este não saiba da existência delas. Diga-se, mutatis mutandis, a mesma coisa de estrato, substrato, superestrato e adstrato, conceitos linguísticos relativos à influência de uma língua sobre a outra, na relação entre a língua do dominante e a língua do dominado.
Cada ciência, cada profissão, cada ramo de atividade necessita de terminologia própria. É necessidade, exigência da própria razão de ser das coisas. Se assim não fosse, seria desnecessário ir para a universidade e passar anos e anos estudando, seja qual for a profissão escolhida. Estuda-se porque é necessário estudar. Se não estudar muito, não aprende. Como saber engenharia sem estudar engenharia? Como saber direito sem estudar direito? Como saber medicina sem estudar medicina? E assim por diante. É, mas, ainda assim, há quem fale mal do que chamam de juridiquês. Às vezes, somente para jogar para a galera, mas fala.
Não é sem razão que a linguística, dentre vários outros, tem ramos como a lexicologia, a lexicografia e a terminologia. Uma coisa é a obrigação do médico de explicar de forma que o paciente leigo entenda como e por que deva tomar o medicamento ou, ainda, por que precisa ser submetido a este ou àquele procedimento médico ou terapêutico. Outra coisa bem diferente é o paciente querer entender além do necessário sem ter cursado medicina, e, diante da impossibilidade, sair criticando a linguagem médica, só porque esta necessita de terminologia própria. Diga-se o mesmo em relação ao direito e às demais ciências e profissões.
Não vou explicar aqui o significado de superinscrição, inscrição, subscrição, adscrição, termos que são da medicina e do direito médico, nem de macroestrutura, microestrutura, medioestrutura, estrato, substrato, superestrato e adstrato, termos que são da linguística. Não é esse o objetivo da crônica. O objetivo era mostrar que, como diz o Dicionário de linguística, de Jean Dubois e outros autores: “Não há ciência sem terminologia.” Não há, porque é necessário, é imprescindível.