Entre Sem Bater - A Covardia e o Medo

Papinio Stazio disse:

"... a covardia e o medo criaram os deuses ..."(1)

Escrever sobre pensamentos de filósofos antigos, como Papinio Stazio, tem suas complicações, mas pode servir de aprendizagem. Desta forma, é muito interessante pesquisar a frase original, que aborda a questão da covardia e do medo(2), e dos deuses antigos. Assim sendo, é mais interessante quando vemos a frase-chave original recebendo adendos, e confundindo a cabeça de muita gente. E, no caso da frase de Papinio, fica particularmente impossível refutar os pensamentos, aforismos e paráfrases que aparecem. A experiência de vida de Papinio foi fantástica; imaginem ver as reações das pessoas com o Vesúvio explodindo e ele escrevendo poesias.

A COVARDIA

Uma paráfrase sobre o pensamento de Papinio, contendo a palavra covardia e medo, me chamou a atenção para pautar este texto. Fiz algumas pesquisas rápidas e, surpreendentemente, vi que a frase original não era como publicação nas redes sociais. Logo após minha rápida pesquisa, passei a observar os comentários dos "sábios" de rede social com a mente obtusa.

Vi, por exemplo, um comentário que reforçou o meu desejo de escrever e, quem sabe, trocar ideias sobre o tema covardia, medo e deuses.

A frase (com atribuição de autoria ao Papínio Estácio) nas redes sociais é:

"... o medo foi a primeira coisa que deu origem aos deuses no mundo; a ignorância cuidou do resto ...".

Certamente, a correção do texto, a citação de autoria e outros detalhes, inspiram muita gente a reproduzir sem conferir. 

Um comentário(*) numa rede social:

"... O medo de fato é um cabresto de poder sobre a sociedade, não é atoa que ele é amplamente utilizado pelas ideologias políticas e regimes comunistas ...."

É, portanto, obrigatório dizer que o comentarista deu a sua versão sobre a frase de um filósofo, querendo passar recibo de filósofo. Entretanto, a ignorância do meliante digital é menos assustadora do que aqueles que apoiam ou concordam com o comentário. As pessoas, com raríssimas abordagens, têm uma preguiça mental(3) que alimenta este tipo de indigente intelectual.

Assim sendo, pensamos em criar uma paráfrase para os tempos atuais que se ajustasse como uma luva para a maioria das pessoas. E ainda concorreríamos ao pensamento do ano, graças a Papinio Stazio.

O PENSAMENTO

"... A covardia e o medo criaram os deuses; as redes sociais estão cuidando que os ignorantes os idolatrem eternamente ...".

Papinio ficaria exultante !

FILÓSOFOS ANTIGOS

Se imaginarmos um filósofo, como Papinio, vivendo em nossos tempos e observando o impacto das redes sociais, sem dúvida, teríamos surpresas. Qualquer pensador, certamente, traçaria um paralelo claro entre os "deuses" antigos, que surgem pela ignorância e pelo medo, e os ídolos modernos.

Epicuro, por exemplo, acreditava que os deuses eram invenções humanas que surgiam pela incapacidade de lidar com o medo da morte. Outros filósofos veriam nas redes sociais, inquestionavelmente, uma continuação dessas características, com a intensidade do alcance global. Em outras palavras, os pensamentos de Sócrates e outros não seriam privilégios de poucos; já pensaram nisso?

No mundo antigo, os deuses eram como respostas simples para questões complexas, com destinação aos simplórios. O trovão, o relâmpago e as doenças vinham de "seres superiores" que deveriam receber veneração e temor. Atualmente, com o advento das redes sociais, esse mesmo princípio se manifesta na forma de influenciadores e ídolos de barro. Surpreendentemente, estas pessoas se tornam deuses modernos pelo simples fato de acumularem seguidores e likes. Ainda que suas mensagens não possuam qualquer valor crítico ou reflexivo e muito menos sejam dignas de qualquer debate.

Os filósofos antigos, se vivessem atualmente, seriam como o demônio para os seguidores de religiões monoteístas. E eles nem conseguiriam explicar a questão da covardia e do medo na criação de deuses.

DEUSES ANTIGOS E MODERNOS

Os deuses antigos se alimentaram do medo humano e da covardia natural, e os deuses modernos, alimentam-se do desejo de validação social. Para o filósofo antigo, esses "novos deuses" seriam uma continuidade da velha história humana de buscar respostas simples. Por isso, figuras de autoridade que aliviam a responsabilidade de pensar por conta própria tornam-se subcelebridades.

As redes sociais, nesse contexto, seriam a poderosa ferramenta que potencializa a criação desses ídolos, inexistente na antiguidade. E, desta forma, elas alimentam a necessidade contemporânea de facilidade, aprovação e pertencimento.

Além disso, um filósofo antigo observaria a fragilidade desses novos “deuses” modernos. Diferentes das divindades tradicionais, que se imiscuíram em mitologias e rituais ancestrais, os ídolos das redes sociais são de barro ruim. Em outras palavras, estes farsantes são altamente suscetíveis às marés imprevisíveis da opinião pública.

Para qualquer filósofo, isso seria como uma ironia amarga. Em vez de buscar o conhecimento, a filosofia ou a contemplação, a humanidade moderna continua a erguer e derrubar deuses. É provável que, agora, de maneira mais rápida e superficial, conforme a velocidade das redes permitem ou exigem, vire a nova verdade.

A covardia, o medo, a preguiça mental, o oportunismo e a vilania estão vencendo de goleada.

IGNORÂNCIA E COVARDIA

A questão da ignorância e da preguiça mental é central para entender como os falsos deuses e profetas ganham tanto poder nas redes sociais. Desse modo, a covardia e o medo que Papinio se referia criam os deuses e mitos atuais, com seus dogmas e crenças.

Se, na antiguidade, o medo e o desconhecimento surgiram à criação de mitos, hoje vemos um fenômeno semelhante nas fake news. Como se não bastasse, as teorias conspiratórias que se espalham com uma velocidade alarmante são mais nocivas. Pensamentos, que constam como depoimentos-verdade, como o que apresentamos acima são um câncer na sociedade atual. 

Em suma, somente alguém muito ignorante e estúpido para associar um pensamento como o de Papinio a comunismo e ideologias políticas. 

CONHECIMENTO

A preguiça de questionar, investigar e buscar conhecimento torna-se uma ferramenta poderosa nas mãos dos manipuladores.

O filósofo da antiguidade, ao observar essa dinâmica atual, provavelmente criticaria a falta de disposição das pessoas em refletir de maneira crítica. Ele veria na disseminação de notícias falsas uma manifestação moderna de um absurdo: a cega cega de ideias sem qualquer questionamento.

A facilidade com que essas mentiras se espalham revelam uma orientação natural da mente humana para o caminho da menor resistência. A verdade, por ser muitas vezes mais complexa, se torna menos atraente do que a mentira simples e fácil. Adicionalmente, se vier com uma embalagem de sensacionalismo, promessas e acusações falsas, obtém mais atenção da patuleia.

Essa falta de discernimento é um reflexo da preguiça mental que acompanha o excesso de informação superficial. Quando tudo é fácil e entregue rapidamente, o processo de pensar se torna secundário e, surpreendentemente, inútil. E é aqui que os falsos deuses e profetas modernos, tanto em figuras humanas quanto em ideias, ganham força e crescem.

Os farsantes oferecem respostas simples para problemas complexos em poucos segundos. E, com toda a certeza, as redes sociais, com seus algoritmos, garantem que essas respostas alcancem o maior número possível de pessoas. Promovem, frequentemente, o conteúdo puramente passional e emocional, em detrimento de análises mais inteligentes.

PARADOXOS MODERNOS

A capacidade viral das notícias falsas, nesse sentido, é um dos grandes paradoxos da era digital. Enquanto a Internet poderia ser um espaço de aprendizagem e esclarecimento, ela se tornou, para muitos, um campo fértil para a ignorância. A adaptação da frase de Stazio captura, com perfeição, essa relação entre o desconhecimento e a manipulação.

A covardia e o medo que antes geravam os deuses agora criam uma nova geração de falsos profetas, que usam e abusam da ignorância coletiva.

Por fim, o filósofo da antiguidade veria na educação e no pensamento crítico as únicas saídas possíveis. É provável que ele insistiria que o caminho para a verdadeira liberdade não é seguir ídolos de barro. E que, sem dúvida, acreditar cegamente em qualquer coisa que veja online não é conhecimento e inteligência.

Acima de tudo, pensar por si próprio, parece ser algo muito difícil, reproduzir opinião de segunda mão(4) é mais fácil.

" Amanhã tem mais ... "

P. S.

(*) Preservamos, primordialmente, a privacidade das pessoas, mesmo as mais idiotas, para não expô-las ao ridículo. Contudo, não abrimos espaço para debates com seres que, a partir do pensamento de Papinio, falam de comunismo e outras sandices. Esta explicação não chegará ao comentarista pois, com toda a certeza, ele não aguentará ler a partir da citação dele.

(1) "Entre Sem Bater - Papinio Stazio - A Covardia e o Medo" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/09/19/entre-sem-bater-papinio-stazio-a-covardia-e-o-medo/

(2)  "Entre Sem Bater - Stephen King - O Medo e o Desespero" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/01/23/entre-sem-bater-stephen-king-o-medo/

(3) " Entre Sem Bater - Liz Hurley - Preguiça Mental" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/03/10/entre-sem-bater-liz-hurley-preguica-mental/

(4) "Entre Sem Bater - Mark Twain - Segunda Mão" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/02/26/entre-sem-bater-mark-twain-segunda-mao/