IRMÃ CELESTE
Como qualquer um de nós, a Irmã Celeste devia ter um nome comum no registro civil dos nascidos vivos, mas seguindo a tradição religiosa na qual quando algo importante mudará a vida, o nome da pessoa também deverá ser mudado, como foi o caso do patriarca Abrão, que passou a ser Abraão (pai de multidões), o da sua mulher Sarai que foi mudado para Sara (princesa de muitas nações) ou Simão que passou para a história como Pedro, cujos significados dos nomes é pedra.
Nos anos de preparação para a vida religiosa, os candidatos são vigiados de perto pelos orientadores que, cuidadosamente observam e avaliam se o postulante ou noviço está realmente disposto a largar tudo de bom que a vida civil oferece para se dedicar à causa divina, isso em todas as religiões em que o sacerdócio é exigido sine qua non.
E pela maneira rígida no proceder pessoal, nas cobranças aos subalternos e irremovíveis convicções, não caberia outro nome à Irmã.
Tinha que ser Celeste, assim como são as imutáveis leis celestiais.
Sua voz, raramente ouvida além de um metro de distância, era suave, mas de marcante eloquência e incontestável.
Altura mediana, face e mãos diáfanas era tudo o que se via por fora dos hábitos imaculadamente limpos e que variavam de cor, dependendo do dia e do que ela deveria executar.
Irmã Celeste era a encarregada da limpeza e capaz de identificar uma nano-partícula de pó a cem metros de distância, que para o desespero das auxiliares se confirmava pelo dedo ao deslizar sobre a superfície em foco.
As auxiliares eram dessas mocinhas que, invariavelmente sem remuneração, mas com direito a refeições e instrução formal e religiosa, se agregavam aos mosteiros e colégios de freiras, naqueles tempos de apertura em que os seus pais, pródigos em famílias grandes, não podiam garantir o sustento de todos e que, muitas delas, por vocação legítima, dedicaram-se à vida religiosa.
A onipresença tridimensional da Irmã Celeste era fato nas áreas externas desde o portão e sob o teto, através do parlatório, das infinitas salas das diversas atividades, capela, cozinha, corredores, na clausura ou nos jardins internos.
Nada nem ninguém escapava dos seus olhos perscrutadores, geralmente semicerrados em eterna vigilância. Tudo devia estar limpo e todos impecavelmente vestidos, sempre.
À socapa, entre risos disfarçados por serem impróprios para aquele ambiente austero, as auxiliares diziam que ela estava sempre de bote armado...
Num determinado momento, a Irmã Celeste foi transferida, talvez para corrigir os erros de outras comunidades, e nunca maia a vimos, mas os seus ensinamentos, apesar de tantos anos já passados, permanecem, porque eles são os ecos do que sempre ouvi dos meus ancestrais em cada momento de preguiça:
- Se você foi encarregado de fazer algo para si ou para os outros, faça agora e o faça bem feito para não ter que repetir a tarefa.
Esse conceito universal do bom viver, deve ser sempre seguido em todas as atividades, tanto dentro de casa como fora dela.