O Pão da Noite

Todas as noites, enquanto o silêncio dominava as ruas, ele vinha. Sem alarde, sem pressa. O som suave da bicicleta anunciava sua chegada, e lá estava ele, meu pai, com o embrulho em mãos. Não era apenas um pão – era um pedaço de afeto embalado com cuidado, entregue como quem doa uma parte de si.

Eu o recebia, e cada mordida trazia mais do que o sabor. Era o gosto de presença, o toque invisível do amor paterno que se repetia, noite após noite. Aquilo me alimentava mais do que o corpo – alimentava a alma. Era um ritual nosso, um código silencioso entre pai e filho, sem palavras, mas cheio de sentido.

Hoje, o tempo passou, e ele se foi. Faz dois anos que a bicicleta não encosta na porta, que o embrulho não chega às minhas mãos. Desde então, o pão da noite perdeu o sabor. Nunca mais comi um.

Agora, quando a noite cai, é o silêncio que pesa. E no meio dessa ausência, eu me pergunto se, de algum lugar, ele ainda pedala até mim, trazendo o mesmo pão, o mesmo amor. Talvez não em forma de alimento, mas de lembrança. Uma lembrança que, como o pão que me oferecia, está sempre ali, pronta para me alimentar de novo.

E quem sabe, um dia, eu volte a sentir o sabor do pão à noite. Não apenas na boca, mas no coração. Porque o amor de pai nunca se vai por completo. Ele permanece, assim como a saudade, embalada em pequenos gestos que a vida teima em transformar em eternidade.

Pai da Macella
Enviado por Pai da Macella em 18/09/2024
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