O ANJO DE PEDRA - Por Carlos Lopes
Crônicas sobre os 7 pecados capitais
Avareza
O Anjo de Pedra
A tarde se derramava sobre a cidade, tingindo o horizonte de um dourado que mais parecia um retrato de tempos esquecidos. No entanto, na casa de Sr Daimon, a luz parecia repelida pelas cortinas pesadas e pelas paredes repletas de lembranças guardadas a sete chaves. A casa, conhecida na vizinhança como um verdadeiro palacete, escondia em seu interior mais que tesouros. Guardava também a alma de um homem prisioneiro de sua própria avareza.
Sr Daimon, com seus olhos pequenos e vigilantes, vigiava o mundo com a mesma intensidade com que vigiava suas posses. Tudo nele cheirava a zelo, mas não o tipo de cuidado nascido do afeto. Era um zelo áspero, nascido do medo. Medo de perder cada centavo, cada objeto luxuoso que lhe preenchia os cômodos, mas esvaziava o coração. O mármore impecável das estátuas e o brilho frio dos candelabros refletiam a rigidez de seus sentimentos, há muito petrificados pelo ouro que tanto acumulou.
A vizinhança falava de Sr Daimon em sussurros. As crianças, que antes corriam por suas escadas em busca de guloseimas, agora evitavam sequer olhar para sua porta. Os pobres, outrora agraciados com algumas moedas, agora só recebiam olhares que podiam congelar qualquer pedido de ajuda. A avareza que crescia em seu peito se manifestava como um anjo de pedra, cada vez mais presente, silencioso e implacável.
Com o passar dos anos, Sr Daimon se tornou uma figura solitária. A família, outrora acolhida com afeto, agora era mantida à distância, como ladrões em potencial de sua fortuna. Amigos? Ela já não sabia o que significava essa palavra. Suas únicas companhias eram as relíquias que adornavam sua casa e, claro, o anjo de pedra que se aninhava em sua alma.
O tempo não perdoa, e Sr Daimon, já envelhecido, se viu cercada por paredes que antes pareciam protegê-la, mas agora o sufocavam. A riqueza que ele tanto estimou se tornou um fardo insuportável, cada moeda representando uma corrente que o mantinha preso à solidão que ele mesmo escolheu. Não havia mais vozes de filhos, risos de netos ou o calor de visitas inesperadas. Apenas o eco de seus próprios passos nas lajes frias.
Quando finalmente chegou sua hora, o anjo de pedra estava lá, como sempre esteve. Fiel, imóvel. Mas, ao contrário do que imaginara, ele não o salvou. Sr Daimon partiu da mesma forma que viveu: cercado de riqueza e vazia de vida. Deixou para trás uma casa repleta de tesouros que ninguém desejava, e um legado de avareza que será lembrado mais pelo silêncio que deixou do que pelo ouro que acumulou.
Assim, a avareza, seu fiel companheiro, foi tudo o que restou para lembrar a todos que uma vida sem generosidade é como um palácio sem portas — por mais rico que seja, é apenas uma prisão.
Por Carlos Lopes