A Ponte- BVIW
Desceu lentamente do carro, sem ao menos preocupar-se em fechar a porta. A chave ficou esquecida na ignição, esperando a viagem de volta. Debruçou-se lentamente sobre o parapeito da ponte, aquela que cobria o rio que cortava a margem da cidade. Sempre ia ali, quando precisava lavar a alma, deixar para trás o peso que carregava sempre que a vida lhe causava alguma dor ou mágoa. Fazia isso desde pequenina, vinha com brincar nas margens, quando a ponte ainda não existia. Quantas lembranças doídas jogara nas águas do rio e as imaginava indo embora na correnteza, pedindo para que nenhuma delas voltasse a lhe doer novamente...
Mas agora a vida era outra, as fantasias de criança e os sonhos bobos de adolescente já haviam desaguado no mar do esquecimento, e nada do que a fizera sofrer no passado doera tanto quanto a dor que a trazia de volta agora. Duas lágrimas grossas correram em sua face. De repente as imagens da noite anterior misturaram-se à paisagem, como uma névoa transparente varrendo o verde coberto pela poeira do verão que castigava a mata ao redor das margens. Lentamente passou a mão sobre a face e olhou a estrada por onde viera, um recorte entre o verde e o azul do céu, completamente vazio...
E assim ficou por alguns minutos, ora contemplando o rio, ora contemplando o céu, como se os dois lhes abrissem os braços para completar a paisagem. Sentiu-se vazia de sentimentos, buscou o amor que sentia dentro de si e não encontrou nada, nem mesmo raiva. Tentou lembrar-se de quando o perdera e não teve respostas... De repente lembrou-se de todos os sonhos que abandonara para viver aquele amor que parecia ser não só o seu maior sonho, mas a sua única realidade possível. E agora tudo era nada, acordara tarde demais...
Olhou mais uma vez a estrada. Vazia e silenciosa, cúmplice de seus pensamentos. Enxugou mais uma vez as últimas lágrimas que lhe escorriam na face e olhou frente a frente as águas do rio. Houve apenas um murmúrio rouco das águas quando lhe abriram os braços... Depois, fez-se silêncio na tarde que findava. Ela agora teria como destino a saudade. E sob a ponte, as águas seguiam o destino, sendo apenas rio...