CABEÇA VAZIA É OFICINA DO DIABO

É humanamente impossível eu dizer quantas vezes ouvi esse ditado popular. Sempre que estive naquele momento – de nada – alguém arranjava algo para eu fazer.

Um livro, o jornal do dia, um texto religioso para ler, a vassoura, o ciscador, a pá do lixo, papel pautado em branco para produzir texto com 20 linhas em letra miúda, a tabuada, os deveres escolares que, invariavelmente (naquela época) trazíamos para casa, passar uma vista geral para recordar as matérias já vistas nas aulas, os recados, as compras de última hora na bodega mais próxima......

Claro que haviam os momentos de lazer, das brincadeiras com os colegas na rua, mas esse cuidado parental para desenvolver o senso crítico e as noções de responsabilidade cidadã nas crianças era uma constante, pelo menos na família em que eu fui criado. Ser útil e servir sempre dentro dos limites da razoabilidade, foi lema a ser seguido, sem contestações verbais ou gestuais.

Na escola tínhamos a cadeira de Trabalhos Manuais que pretendia desenvolver os dons artísticas dos adolescentes e as aptidões de uso de ferramentaria com vistas a futuros empregos ou para solucionar pequenos problemas residenciais, como trocar a lâmpada ou colocar sola nova na torneira que insistia em gotejar. Afinal ainda não estávamos na era dos descartáveis onde comprar novo é mais barato do que consertar ou depender da boa vontade do profissional que se julga mega importante.

No Brasil, infelizmente no meu entender, essa prática de aproximar o adolescente das atividades produtivas, foi negligenciada, tanto nas famílias (hoje desestruturadas) quanto nas escolas de ensino formal.

Apenas as escolas que se dedicam à formação de profissionais, como as do eficiente “Sistema S” permitem o manuseio de ferramentas ou quaisquer artefatos que, de alguma forma, possam se transformar em armas de mútua agressão.

Entretanto, através do youtube temos a oportunidade de ver filmes produzidos naqueles países asiáticos onde a tecnologia é insipiente (cujos nomes terminam invariavelmente com “istão”) que ainda é comum essa forma de garantir as próximas gerações de produtores nos mais diversos campos de atividades.

Entre os adultos, vemos com frequência crianças e adolescentes, participando da confecção de artefatos dos mais diversos materiais para o consumo regional ou para as grandes marcas.

Claro que tem nisso o interesse comercial e a exploração da mão de obra barata pelas empresas dos grandes conglomerados industriais, mas o fato é que, mesmo que essas empresas saiam do mercado, o aprendizado ficará para aquele povo de aspecto paupérrimo, para os padrões que estamos acostumados a ver e que não gostaríamos de mudar.

São, invariavelmente masculinos.

Usam o gorro dos fiéis a Alá, o Grande, camisa de mangas longas até a altura dos joelhos, calça saruel confeccionadas com tecido colorido, geralmente monocromático e sandálias.

Trabalham em ambientes de pura improvisação.

As atividades são feitas geralmente agachados ao rés-do-chão de terra seca e incoerente. Raro haver piso de cerâmica ou concreto.

Manuseiam com exímia destreza (muitas vezes usando o pé como terceira mão), prensas, brocas, formões, furadeiras, ferros de solda, maçaricos, tornos para madeira ou metal, ferramentas pesadas, pincéis, fios, correntes, guinchos...

São semelhantes aos borracheiros das estradas brasileiras, malvestidos, sempre sujos, semianalfabetos, mas felizes e milagrosamente eficientes quando precisamos dos seus serviços.

As etapas da produção obedecem ao layout que as condições ambientais permitem, confuso para quem tem noções de Engenharia de Produção ou Organização e Método, mas para aquele povo simples e alegre tem toda razão de ser e são notáveis, principalmente, por manterem as cabeças ocupadas no “ganha pão” para que essas não se transformem na oficina do diabo.