Parto: a beleza que transcende a dor
Acho que nada é tão belo quanto o nascimento de uma criança. A mistura de sensações e sentimentos do processo do parto, as histórias daqueles envolvidos nesse acontecimento, e o significado e o sentido de trazer uma nova vida ao mundo fazem com que esse fato seja único para cada um que o experimenta. No entanto, apesar de lindo, pode ser (e geralmente o é) muito difícil.
Aqueles que romantizam o parir esquecem-se das dores e das contrações que o acompanham, da perda da intimidade da mulher, das longas e cansativas horas de evolução, do frequentemente hostil e desconfortável ambiente hospitalar e de vários outros pequenos detalhes que fazem parte do nascer. Ainda, se a mulher quiser ou precisar de uma cesariana, há que se pensar na demorada recuperação, nas complicações específicas que podem surgir e nos riscos inerentes a toda cirurgia.
Seja como for, é lindo, difícil e impactante.
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Nunca escondi de ninguém que o estágio em ginecologia e obstetrícia não era para mim. É claro que levo a sério e me dedico ao máximo, mas é um cenário que não me chama a atenção e que nunca me imaginei direcionando minha formação para essa área. Contudo, devido às experiências com um dos preceptores, aprendi a admirar algumas partes da GO.
Era sexta-feira 13 e o caos estava instalado no Centro Obstétrico. Havia inúmeras pacientes internadas, algumas próximas a dar à luz, outras tantas precisando tratar doenças durante a gestação e ainda umas sofrendo a dor de abortos espontâneos.
Dentre essas mulheres, havia uma a quem eu tinha dedicado atenção durante toda aquela tarde. Ela já passava das 40 semanas de gestação e o menino que ela carregava na barriga ainda não tinha saído para conhecer o mundo. Serelepe, como havia sido apelidado por amigos daquela mulher, fugia do sonar durante a ausculta de seus batimentos cardíacos. Independentemente de quem avaliasse, era sempre uma batalha para ouvir seu coração. Mas, até então, estava tudo bem com ele e, conversando com a paciente, optou-se por induzir o parto. Assim, na hora marcada, eu me fazia presente para inserir os comprimidos de misoprostol, avaliar a frequência e efetividade das contrações, analisar a dilatação do colo e transmitir as informações aos preceptores.
Nesse ritmo, segui até o final do expediente. Ao sair, parecia que o parto evoluiria de forma relativamente rápida e sem complicações. Disse que provavelmente o bebê nasceria antes de eu chegar no dia seguinte e desejei boa sorte. Bem, eu estava enganado.
Na tarde seguinte, cheguei ao hospital e lá estava ela, acompanhada do marido e ainda com o barrigão. A medicação correndo em suas veias me dizia que havia tido complicações e o cansaço em seu rosto mostrava que a noite havia sido longa, dolorosa e sem muito tempo de sono. Então segui a rotina de cuidado dela e do bebê que estava para nascer.
Em dado momento, entrei no quarto para auscultar o coração do menininho, junto com outro interno e o preceptor. Ela se encontrava sentada sobre a banqueta, reclinada sobre o colo do marido, sofrendo e gritando a cada contração que chegava.
A frequência cardíaca do bebê estava normal, o colo estava completamente dilatado e as contrações eram efetivas, mas o bebê não descia. Fiquei próximo dela e do marido, dando forças durante o processo, segurando sua mão quando necessário e ajudando nos cuidados que ela precisava. Sentado de frente para ela, o médico a guiava em movimentos para facilitar o parto e diminuir a dor, conversando calmamente.
“Inclina para frente, respira fundo para mandar oxigênio para o bebê. Isso! Agora para trás, para um lado, para o outro lado. Veio contração? Coloca o queixo no peito, respira fundo e faz aquela força comprida, lá embaixo. Isso, muito bem!”
“Tá doendo! Não estou aguentando!”
“Você está indo muito bem, continua. Apesar de tudo, o nascimento é a coisa mais linda do mundo”.
“Eu não estou vendo nada de lindo nisso aqui”, disse a gestante em meio a lágrimas.
“Agora não, mas logo você vai ver, vai ouvir e vai segurar a coisa mais linda do mundo. Você vai ver que tudo isso vai ter valido a pena”, respondeu calmamente o médico, em um momento de profunda sensibilidade.
Ali continuamos por mais alguns minutos, mas o parto não evoluía. Ao toque, o médico percebia que o parto normal não seria mais viável. Além de todo o sofrimento já vivido, traria mais dores, angústias e colocaria em risco as vidas da mãe e do bebê. Assim, optou-se por prepará-la para a cesárea, que, nesse momento, trazia mais benefícios do que riscos. Mais uma vez, deixei o hospital ao final do expediente e aquele bebê ainda não havia nascido.
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O processo até ali transcorria cheio de histórias, belezas, dores e desafios, mas ainda não havia chegado ao fim. E engana-se quem pensa que passar por tudo isso foi perda de tempo e não valeu a pena. A experiência a enriquecia e a transformava, criava um laço ainda mais forte com aquele que logo viria ao mundo. A cesárea seria somente mais um capítulo escrito até que aquela mulher, às 21:03 horas, ouvisse o choro mais gostoso e segurasse no colo o serelepe mais lindo que ela já vira.