Estrela Só

Sempre que deixo os limites da minha cidade, cruzo um bairro distante, tão afastado que quase se dissolve no horizonte. Lá, no mesmo ponto, vejo sempre o mesmo menino, uma figura solitária que habita os confins desse lugar. Ele mora numa casinha de barro e cipó, rústica e simples, à beira de uma estrada seca e poeirenta, em uma paisagem tão desolada que dói.

Não há outros seres à vista, apenas ele: sem camisa, um menino de barriguinha proeminente, calção desgastado pelo tempo, pés descalços que sentem o chão cru, cabelos ressecados que se erguem como testemunhas da sua solidão. Seus olhos castanhos, sempre arregalados, carregam uma mistura de curiosidade e melancolia em um rosto simpático, marcado pelo silêncio.

Às vezes, o vejo sob a sombra de uma árvore magra, outras vezes correndo atrás de um cachorro faminto, ou simplesmente perdido em pensamentos, vagando em um mundo que ninguém mais parece enxergar. Quando meu carro passa, ele para tudo e me fita, como se eu fosse uma promessa, um sopro de algo diferente. Seus olhos tristes me seguem até que eu desapareça na poeira da estrada.

Um dia, sem pressa, pararei o carro. Preciso falar com ele, saber quem é, se tem pais, se estuda, o que faz sozinho naquela vastidão. Talvez, mais do que tudo, eu precise perguntar a mim mesmo se aquele menino, de alguma forma, não sou eu.

Pai da Macella
Enviado por Pai da Macella em 16/09/2024
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