O pêssego 1

Eu estou cansada. Cansada da minha vida, cansada do meu trabalho como enfermeira... cansada do meu marido. Eu não suporto a ideia de estar casada há 10 anos com quem eu não gosto. O Roberto ele... é exótico. Usa sempre o mesmo corte, tem sempre o mesmo hábito de acordar e se esticar... nunca muda, assim como o seu emprego. Ele sempre foi um bom advogado, o melhor de São Bernardo do Campo. Ter um pai advogado ajuda bastante quando as questões são econômicas, mas não adianta quando você só trabalha com isso a vida inteira.

Esse meu cansaço não veio do acaso; foi de uma lembrança. ANA. Eu ainda lembro dos seus cabelos negros... sua tatuagem nas costas (que eu fazia questão de acariciar quando abria os olhos de manhã)... não me contento com a vida confortável de enfermeira casada com advogado quando mal posso aproveitar de um romance perigoso. Eu amava ANA: a sensação das nossas investidas, nossos corpos, nosso visão de mundo. Era tudo mágico. Aqueles braços de artista enquanto tatuava seus clientes, nossa vida simples.

Roberto não tem isso. Desde que vim para São Bernardo para esquecer meu passado em Jundiaí eu nunca tive algo fora da curva. Nada para nos unir, nada para colocar fogo na nossa vida. Eu gosto de uma vida tranquila, no entanto, tem algo errado. Roberto parece a pessoa certa para mim de todas as formas, mas ANA... ela era errada de todas as formas. Eu amava isso em nós. Odeio ter me casado com Roberto, nada nele me agrada, nem me excita. Ele já tentou uma fantasia ou outra, e sempre acabou em nós dormindo de conchinha. Ele é carinhoso, faz de tudo por nós, age como eu quero e como ele quer. Para muitos é o marido perfeito, um homem único... não o vejo assim.

Ele é um bom homem, mas não para mim. Eu não aceito o fato que tive que casar com ele por falta de escolha (eu nunca fui a escolha para o 2° encontro), os seus cabelos ruivos são lindos demais para a minha alma. Ele deveria ter se casado com quem realmente amasse ele. Eu não suporto a ideia de ter que olhar para ele e suas sardas todo dia de manhã. ver ele levantar, se espremer e soltar um "Bom dia, meu amor". O beijo dele é doce, um homem realmente incrível. A sintonia da noite passada é legal, as carícias depois dos urros... majestosas.

Porém, mesmo com todos esses encantos, ele nunca será ANA. Ela me chamava para perto, fazíamos juntas o que Roberto faz só. Os nossos sentimentos não eram recíprocos, mas eu a amava. Ela e dava sonhos, e trazia tudo para minha com as nossas mãos juntas. De manhã, eu acordava, via as costas dela... ela logo se virava, sorria e beijava minha testa. Nosso amor era sem palavras(elas eram inúteis para nosso relacionamento tão profundo). As conversas, os desabafos... todos eram feitos pelos dois lados e nós nos juntávamos e nos amávamos. Era tudo tão seguro entre nós, mesmo que ela não me amasse. Aquele sentimento era incrível, nostálgico.

ANA me ensinou o quanto ser gente era bom, o quanto sentir era necessário, o quão raro e bom era se conhecer... Roberto não me mostrou nada. Só assegurou o que ANA já havia me sustentado. Roberto é como areia na praia: somente uma partícula daquilo que realmente segura o continente.

Roberto agora é meu porto, mas nunca será a ilha, o avião, o navio e nem a boia que ANA foi. Conformo-me com sua falta na minha vida... já faz 15 anos que não vejo mais a sua cara, conto os segundos para vê-la. Quando vou para Jundiaí, visito todos os nossos locais especiais, até seu antigo estúdio, que hoje é uma igreja bem das porcas. Tive que virar enfermeira por ela, para que eu pudesse ver ela em qualquer lugar, até se adoecesse...

É burrice minha achar que ANA ainda vaga por São Paulo, talvez ela só vague pelos meus olhos, pelos olhos de Elisa Himawari Uno... somente pelos meus... ah... como eu odeio estar casada com Roberto.