Ninguém gosta de análise sintática
Acompanhe meu trabalho no Instagram @minhaarcaliteraria.
Análise sintática é chata pra um caralho, mas eu gosto. Gosto muito. Olhar para as frases, ou orações, para ser mais preciso, e classificar cada termo: os essenciais, os integrantes, os acessórios; perceber quando o período é simples ou composto, se é por coordenação ou subordinação (subordinação é terrível, quase matou meus queridos alunos do 9º este ano) e identificar se a oração substantiva é completiva nominal ou objetiva direta: ah, que beleza! É um exercício interessante que mostra o nível de domínio da gramática normativa: separa os homens dos meninos nesse mundo das Letras. Mas, no fim, saber tudo isso não quer dizer muita coisa. A análise sintática continua sendo chata pra um caralho!
Pensando bem, minha relação com essa área da gramática foi quase de amor à primeira vista, lá pelo ano de 2001. Me deparar (vejam um subversão sintática aqui. Que horror!) com a definição de Sujeito e Predicado causou um deslumbramento e lançou em mim a semente da docência. E a culpa disso tudo é da professora Luciene. Foi na aulas de Língua Portuguesa da 7ª série que descobri ter facilidade com a gramática. Descobri também ter facilidade para tumultuar uma boa aula. Sim, porque as aulas da professora Luciene eram excelentes. O empenho dela em tornar as crianças proficientes no uso formal da língua era encantador. Lembro-me (agora, sim, a ênclise que se exige) das aulas no meio da tarde, os dias muito quentes, os ventiladores mal funcionavam, mas ela estava lá, firme e persistente, nos apresentando cada etapa da análise. De frente para ela, uma turma pouco ou nada íntima do sujeito e do predicado. Na primeira fila, ao centro da sala, estava eu: muito atento ao que ela ensinava, captando cada detalhe e buscando criar intimidade com os tipos de predicado. Até aí, tudo bem. Parece a cena ideal, desejada por todo professor. Mas não era bem assim.
A turma, da qual já falei em outro texto (o do giz), estava sempre agitada e pronta para uma nova perturbação. E eu, sentado logo à frente, percebi que aprendia aquilo com muita facilidade. Rapidamente, dominava o sujeito oculto, achava brincando o sujeito indeterminado, separava o predicado verbal, e sofria um pouco com o predicado verbo-nominal, mas, no fim, dava conta. E era aí que estava o problema. Depois de entender a explicação, eu começava a tumultuar a aula. Às perguntas da professora Luciene, eu dava respostas erradas de propósito, tentando fazer alguma graça. Quando a pergunta era para algum colega, eu me antecipava e respondia. Puxava um assunto qualquer com quem estivesse do meu lado e, nem aí para a professora, danava-me a falar, e falar, e falar. Levanta-me, de repente, e andava pela sala, sem um rumo definido. Fazia perguntas, não porque estava com dúvida, mas para, de alguma forma, aparecer. Era o que eu buscava. Não agia assim para, conscientemente, atrapalhar a professora. Longe de mim, mesmo nessa época, agir assim. Queria mesmo era aparecer e por isso bagunçava muito e em momentos diversos. Já confessei aqui que esse foi ano da minha vida escolar que minha mãe mais foi convocada pela direção da escola. E as aulas de Língua Portuguesa, por eu ter mais facilidade, tornaram-se o palco perfeito para minhas criancices exibidas.
Mais de dez anos depois, tornei-me professor de Língua Portuguesa e comecei a sentir na pele, diariamente, o que a professora Luciene sentia diante de alunos como eu. E é um saco! Alunos que atrapalham a explicação são de botar os neurónios, e o desejo de dar aula, a ferver. Mas a vontade é de ferver, não os neurônios, mas eles. Fazer um caldeirão cheinho de alunos sacripantas e cozinhá-los, mais do que eles cozinham a mim cada vez que me coloco na frente da turma para explicar qualquer coisa. Diante dessa experiência, comecei a me arrepender do que fazia na aula de português da 7ª série e a desejar um reencontro com a professora Luciene. Queria pedir desculpas a ela por meu comportamento e contar que, muito pelo trabalho dela, em 2001, tornei-me professor de Português, em 2012. E esse encontro aconteceu. No ano de 2017, comecei a trabalhar na prefeitura de Santos, aqui no litoral de São Paulo. Fui à uma formação no auditório da Secretaria de Educação e, ao final, vi uma professora baixinha, que me pareceu familiar, mas não dei bola. Algum tempo depois, uma pessoa a chamou: “Luciene!”. Bastou aquele vocativo ser gritado para que minha memória se acendesse. As aulas e a minha bagunça voltaram à mente, e junto veio o desejo de pedir desculpas e contar da minha profissão. Fui até ela e fiz isso. Foi emocionante para os dois. Ela se lembrou de mim rapidamente, mesmo com a distância de 16 anos. E ficou orgulhosa. Como eu precisava desse encontro, que permitiu que eu me redimisse com o meu passado e pudesse me indignar contra meus alunos bagunceiros em paz.
Hoje, sou um professor feliz e realizado com o que faço. Tenho muitos alunos bagunceiros, que me fazem gestos para me desconcentrar enquanto falo lá na frente; que conversam durante as minhas explicações ou fazem alguma graça a fim de perturbar a mim ou a um colega próximo. Emanuel, Matheus, Guilherme, Davi, Igor, Pedro... os nomes são muitos, citei apenas alguns dos que, neste ano, tiveram que assistir a algumas de minhas aulas de análise sintática chatas para um caralho. Falamos muito sobre as Orações Subordinadas e sei que eles sofreram. Mas, o mais legal é o que acontece depois. Os meus queridinhos vêm à minha mesa, sentam-se em volta e, juntos, vamos resolvendo os exercícios, tirando dúvidas, e falando da vida. Assim, a aprendizagem vai se construindo e a amizade crescendo. No fim, dar aula de análise sintática não é tão chato assim.
Thiago Sobral.