A Foz e a Nascente

Cantar não é apenas emitir sons. É redescobrir a própria voz, como se aprendêssemos a falar pela primeira vez. Mas não basta falar: é preciso sentir o tom, a vibração que nos conecta a algo maior. A vida, afinal, é cheia de melodias escondidas, e saber cantar é encontrá-las, rendendo-se ao fluxo natural que existe dentro de cada um de nós.

Lembro-me da minha mãe, com aquela sabedoria simples e profunda, que me dizia para tentar ouvir, com o coração, a canção que ela cantava para mim antes mesmo de eu nascer. Uma canção que não precisava de palavras, porque já estava gravada em mim, como uma memória antiga de quem somos e de onde viemos. Aquela melodia era como o som do trem que passava pela estação ao longe, ressoando por dentro, sem pressa, mas cheio de significado.

No fundo, somos todos a voz de algo maior. Não apenas a voz de palavras, mas a voz das coisas que muitas vezes ficam silenciosas, esquecidas. Há tanto no mundo que grita sem som: o amor dos que nunca foram amados, a luz que insiste em brilhar no meio da escuridão. E é essa a nossa missão, seja cantando ou simplesmente vivendo: dar voz ao que não é dito, encontrar sentido no que parece sem som.

Ser a voz é um ato de entrega. Não é necessário ser perfeito, apenas verdadeiro. É como a foz e a nascente de um rio, que coexistem de maneira harmoniosa: um ciclo que começa e termina em si mesmo, sem nunca perder sua essência. Para cantar, para viver, para amar, é preciso essa conexão com o que somos, essa entrega à nossa própria música interna.

E assim, sem esforço, a vida encontra seu tom.

Pai da Macella
Enviado por Pai da Macella em 15/09/2024
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