Anjos do Passado e do Presente

Dona Maria, Laércio, Laerte, Larcí...

Passando ali, em frente ao número 788 da Paschoal Celestino Soares, quase posso ver na área a figura da minha mãe nas noites de verão, conversando com a Dona Filomena enquanto não começava na televisão “O Direito de Nascer”, “Dr. Valcourt” e outras novelas da época.

Minha mãe tinha um espírito ainda mais alegre e brincalhão do que o meu pai. A imagem dela é sorridente e entendendo muito além do que eu dizia ou calava. Ela era muito inteligente e nada escapava a sua aguçada percepção. Conhecia seus filhos e a mim em particular muito mais que nós mesmos. Tinha a capacidade de interpretar um olhar uma expressão ou gesto e estava sempre disposta a oferecer a resposta ou atitude que a situação pedia. Ela podia ser enérgica e firme ou meiga e dócil dependendo do que seria melhor para os filhos.

Ela doou de si o melhor para os filhos e sua maior preocupação sempre foi com a saúde e o futuro do Larci. Será que conseguimos dar a ele uma parcela mesmo que ínfima da atenção que ela esperava?

Lembro da minha mãe naquela casa cuidando de um bebezinho. Tive a chance de ver através do Luciano e comprovar como fui amado ao nascer e crescer. Aquilo era amor em estado puro: o primeiro neto, um novo fillho, um novo rei.

Vendo aquela casa, lembrei-me também dos almoços de Domingo, que começavam no sábado a tarde, com o sacrifício do melhor frango, o seu mergulho na água fervente, a retirada das penas, a “sapecada”, o pernil, o macarrão, a polenta, o arroz, o feijão, a salada, enfim a expressão da fartura para o almoço de domingo. O almoço começava pontualmente as 12:00 horas (meu pai era intransigente quanto ao horário) mas não tinha hora para terminar.

Eu me deliciava ouvindo as conversas dos adultos e ficava ainda mais satisfeito quando o Laércio começava a “duelar” conhecimentos comigo. Sem que eu me desse conta, ele estava me ensinando a importância do estudo, sempre me transmitindo a certeza de que teria que estudar muito para alcançar os seus conhecimentos. Essas conversas de Domingo a tarde com o Laércio foram de grande valor na minha formação e no meu desejo de aprender sempre mais.

E a admiração que eu tinha pelo Laerte? Na época ele era muito requisitado, tanto pelos seus amigos de futebol e bocha quanto por namoradas apaixonadas e que vinham até a nossa casa tentando conquistar a minha mãe para influenciá-lo... Eu, menino tímido, achava meu irmão o máximo e tinha um secreto desejo de ser como ele quando crescesse. Todas as noites, quando chegava da barbearia, trazia um pozinho mágico no bolso da camisa que tornava a minha comida muito mais saborosa...

O Larcí, alto e forte, com passadas largas voltando do trabalho no Gialucca. Via-se o Larcí apontando na distância e em poucos minutos já estava ele abrindo o portão e subindo as escadas. Sempre rápido e bem disposto, contrastando com a imagem que dele ficou para quem não o conheceu nessa época. Mas o Larcí é um anjo...

Passando por aquela região, vendo as casas em sua maioria iguais, estranhas pessoas usurpando um espaço sagrado que deveria ser sempre ocupado pelos anjos do passado, deu-me um aperto na garganta, um vazio no peito, uma sensação de impotência frente à tirania do tempo.

Mas essa é apenas uma sensação passageira. Esses momentos alegres ajudaram a formar a base de uma realidade feliz, oferecendo a oportunidade de transmitir aos meus filhos um pouco dos valores que recebi dos meus pais...



Leonilson Rossi
Leo Della Volpe
Enviado por Leo Della Volpe em 13/01/2008
Reeditado em 05/01/2013
Código do texto: T815242
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