JÁ É 2008!?
Ângela Rodrigues - Cronista
Já é Ano Novo, quase a metade de seu primeiro mês já foi vivida. Tempo suficiente para percebermos que não mudou muita coisa; ainda há fome, guerra, dor, desemprego, gente morrendo sem assistência, casais se separando, hospitais sem leitos, filas intermináveis nos bancos, internet com problemas, filhos querendo mais do que os pais podem dar, pais dando menos do que deveriam aos seus filhos, mendigos nas praças, crianças sem escola, adultos analfabetos, novos impostos e os políticos sempre.
O algarismo alterado no final da data não operou nenhum milagre. Lembro que quando era criança ficava impaciente ao colocar a data no caderno escolar, sempre perguntava a professora (naquele tempo era professora, não tinha essa de chamar nossa mestra de tia) por que mudava tudo e só aquele número grande continuava igual, ela sempre respondia: porque esse só muda quando mudar o ano e pronto. E curiosa eu continuava a questionar: e quando o ano muda? Quando chegar dezembro, era sua resposta; e volta e meia eu voltava a perguntar: dezembro está perto? Não gostava de ter que colocar o mesmo número sempre, isso causava muitos aborrecimentos na sala, pois eu estava sempre querendo mudar o bendito número; um dia perguntei quem tinha dito que era assim, naquela época eu achava que só meu pai tinha poder para dar ordens, ela apenas me disse que sempre foi assim, não me conformei. Queria outro número no final. A professora desistiu de colocar a data no quadro.
Mas eu não desisti de questionar, e quando descobri a "mágica" que fazia essa mudança fiquei decepcionada, por alguma razão esperava algo mais grandioso. Talvez a grandeza que (in)conscientemente vemos hoje. A cada ano que nasce nos enchemos de esperanças e promessas, de alguma forma esperamos um milagre que irá nos livrar de tudo que não gostamos no ano anterior, de tudo que nos fez mal, que nos mostrará o caminho da eterna felicidade, que nos ensinará a fazer aquilo que deixamos de fazer, a resgatar o que deixamos para traz e nos transformará naquela pessoa que sempre sonhamos ser, mas nunca temos tempo ou recursos suficientes para tal.
Desengavetamos os sonhos, tiramos a poeira dos projetos e prometemos que dessa vez vai ser diferente, pena que fazemos isso apenas dia 31 e esperamos que o novo-ano faça o resto, esquecemos de fazer o que nos recomenda Carlos Drummond de Andrade: "Para você ganhar belíssimo ano-novo... Não precisa fazer lista de boas intenções para arquivá-las na Gaveta. Não precisa chorar de arrependimento pelas besteiras consumadas nem parvamente acreditar que por decreto da esperança a partir de janeiro as coisas mudem e seja claridade, recompensa, justiça entre os homens e as nações, liberdade com cheiro e gosto de pão matinal, direitos respeitados, começando pelo direito augusto de viver. Para ganhar um ano-novo que mereça este nome, você, meu caro, tem de merecê-lo, tem de fazê-lo novo. Eu sei que não é fácil, mas tente, experimente consciente. É dentro de você que o ano-novo cochila e espera desde sempre."
Eu não acredito em mudanças nascidas de fora pra dentro, sempre acreditei que precisamos provocar as transformações que queremos e para isso não precisamos esperar um novo dia, um novo ano, elas precisam ocorrer todos os dias, em nós, em nossa casa, em nosso agir. Não podemos cobrar do outro aquilo que não fazemos.
Otimista que sou, sempre espero o melhor das pessoas e ainda acredito em um mundo melhor, em uma sociedade mais justa, porque sei que como eu, muitas pessoas acreditam e trabalham para que isso aconteça, gente que faz a diferença em seu trabalho, em sua rua, em sua cidade.
E enquanto houver quem acredite no amor, na justiça, na fraternidade, haverá a promessa de um verdadeiro ano-novo, esse que está em cada um de nós, pedindo para não ser abortado, querendo vir ao mundo de parto natural e poder finalmente cumprir todas as promessas feitas por cada um de nós, mas já enraizadas em sua essência.
Feliz 2008!
http://www.gazetadooeste.com.br/13 de janeiro de 2008.