UTILIDADE PASSAGEIRA

Noutra crônica narrei a necessidade, temporária, do uso da bengala que encontrei no aeroporto de Lisboa e simplesmente guardei-a por treze anos, sem pretensão de uso, mas o passar do tempo faz com que o nosso organismo, que é pródigo em reposição, encontre dificuldade de eliminar ou contornar as dificuldades que, insidiosamente, vão tolhendo os nossos movimentos, acuidade visual e auditiva que ainda em pequenos graus, dificultam a nossa vida.

Uma das maiores maravilhas que a evolução produziu na nossa Espécie é o arco plantar. Até certo ponto semelhante às construções megalíticas dos Incas, os ossos dos nossos pés denominados: Talais (calcâneo, talus (que antigamente tinha o pomposo nome Astrágalo), navicular, cuboides, cuneiformes; os metatarsiais e as falanges formam o arco sobre o qual a tíbia se apoia para que tenhamos a posição ereta.

Tudo isso em movimento exige a lubrificação constante pelo líquido sinovial e nos pontos de contato a fina camada de cartilagem hialina para evitar o atrito e consequentemente o desgaste e que é mantido coeso pela fáscia plantar, tecido conjuntivo fibroso, altamente resiste e elástico, mas como tudo tem prazo de validade, pode desenvolver a fascite plantar que, se tratada rápida e convenientemente, não incomoda por muito tempo.

E foi esse problema, já praticamente resolvido, que fez com que a bengala saísse do anonimato e tal como as suas antigas semelhantes fosse “arruar” como bem salientou o confrade Osnir da Silva, num dos seus eloquentes comentários.

A bengala é antiga companheira do ser humano. Não tenho a certeza, mas me parece que a mais antiga menção ao seu uso está no enigma proposto pela esfinge de Delfos – qual animal que pela manhã tem 4 patas, ao meio dia duas e à noite três? Resposta: o ser humano que engatinha nos primeiros deslocamentos, anda com os dois pés e precisa do apoio na velhice.

A bengala fez moda e inspirou distinção nos séculos passados, em tamanho reduzido foi bastão de comando de generais e em última análise é a batuta do maestro. É extensão dos braços dos cegos e companheira inseparável dos pastores, montanhistas, andarilhos e de todos aqueles que, diferente de mim, precisam dela para apoio na locomoção.

A minha bengala voltará para o lugar que lhe cabe, porque não sei se ela será indispensável outra vez.

GLOSSÁRO

Arruar = andar pelas ruas, termo em desuso.