Das prosas do meu avô
Nos tempos idos dos anos dois mil. Ainda lembro, no crepúsculo...ah, o crepúsculo. Curvado sobre si mesmo, meu avô surgia, distante, na rua. Rua de terra batida; o mormaço do dia esquentava o princípio da noite. Passos lentos, um aceno aqui, um aceno ali, uma tragada no cigarro.
Era uma pessoa extremamente agradável. Sempre com uma anedota na ponta da língua. Achegava-se, sentava e confabulava:
__ (...) sabe, Diquin, era um homem e uma mulher. Eram casados, ele era muito preguiçoso; ela, trabalhadeira demais...
Uma pausa para dar um trago. Erguia a cabeça e soprava a fumaça para cima, voltava à prosa.
__ Ele era tão preguiçoso que tinha vez que, dentro do igarapé, não tinha coragem de se abaixar para beber água (gostava de abusar da hipérbole em suas falas).
__ Hum... reagia o seu interlocutor dando um sorriso, ao fazer isso, fazia um bico com os lábios.
Continuava.
__ Para o senhor ver como Deus é sábio. Um era muito preguiçoso e a outra muito trabalhadeira. Se os dois fossem preguiçosos, iam morrer de fome, mas Deus é sabido, casou um preguiçoso com uma mulher trabalhadeira.
__Verdade __ reagia o seu interlocutor.
Ah, desculpe, caro leitor. O assunto em questão era sobre os opostos.
Continuou.
__Certa vez, chamei ele para trabalhar uma diária comigo. Nem começamos a trabalhar direito, disse que estava com muita dor de cabeça e começou a chorar. Um homão chorando, vê se pode. Foi para a sombra de uma moita chorar...
Foi interrompido por uma gargalhada do interlocutor.
__Passou um tempo, não escutei mais o choro. Perguntei, e aí, passou a dor de cabeça, parou de chorar? E ele, na maior safadeza, me respondeu:
__Que nada, estou só descansando para quando você me chamar para trabalhar de novo.