MEU PRIMEIRO ACAMPAMENTO
Era o ano de 1976, naquela época a empresa em que eu trabalhava fazia plantão aos sábados para atender as remontas que vinham de São Paulo para a cidade de Caxias do Sul, aqui faziam um pit stop para as devidas revisões. Para que o leitor entenda, se faz necessário explicar o significado da palavra remonta, então vamos aos fatos. Remonta naqueles tempos se dava este nome aos chassis produzidos especialmente para colocar uma carroceria de ônibus. Vinham colocados um sobre o outro, por isto este nome. No meu caso, trabalhava numa concessionária que vendia caminhões e chassis para ônibus da marca mundialmente famosa, da estrela de três pontas.
Naqueles tempos o dia 15 de novembro era um feriado nacional muito respeitado pela sociedade, aliás em todos os feriados os serviços públicos e o comércio em geral paravam, salvo um pequeno comércio familiar como também os serviços essenciais não paravam. Era uma alegria só, quando se aproximava estes feriados e nós “jovens” já programavam um passeio, uma viagem, e foi neste feriadão de15 de novembro que um colega de trabalho me convidou para acampar na Ilha da Armação do Pântano do Sul. Logo aceitei o convite e acertamos de que após o meio-dia daquele sábado partiríamos ao destino.
Por mais que se frequentasse a igreja aos domingos e vez e outra num dia de semana, o Pedroca lá de cima não estava muito de acordo com o nosso acampamento, pois abriu a enorme torneira esquecendo de fechá-la. Saímos no final do expediente com mochilas e barraca caminhando até o ponto de ônibus. A princípio aquela chuva não nos incomodava, era só alegria e aventura. Chegando ao centro de Florianópolis, caminhamos até a Praça da Bandeira para tomar o ônibus da Empresa Ribeironense, (só ela fazia este trajeto) tão “suados” pelos “grossos” pingos que caiam de um céu fechado acompanhado esporadicamente de raios que provocavam troares assustadores, mas nada disso nos impedia de continuar a nossa jornada. E o Pedroca nos perseguindo.
Finalmente chegamos na Ilha. Montamos a nossa barraca, colocamos os apetrechos num canto, fizemos um reconhecimento do lugar e vimos um ambiente multicolorido devido um grande número de acampados naquele local. Um sol meio acabrunhado querendo se fazer presente alegrou toda a galera e cada grupo a seu modo festejava o prenúncio de um final de semana ensolarado, ledo engano, a chuva voltou a cair obrigando todos a se recolherem mais cedo às suas barracas.
Meu colega levou alguns livros para estudar para o vestibular, eu nada levei além da minha vontade de acampar. Enquanto ele estudava eu descansava daquela maratona surreal. Ao anoitecer fizemos uma gororoba (naqueles tempos meu estômago aceitava tais desafios), batemos longos papos e depois caímos num sono profundo.
Acordamos assustados com um grupo de jovens chegados numa cuia, bombacha e chimarrão batendo panelas indo em cada barraca convidando (ou ordenando?) todos a se levantarem, pois já era tarde demais. Olhamos no relógio e marcava cinco horas da matina, todos ficaram possessos. O difícil foi convencer os meninos que eles haviam passado do limite e deviam se recolher para suas barracas, afinal havia famílias com crianças e marmanjos que não estavam interessados em aderir suas brincadeiras de mau gosto. No final deu tudo certo, cada qual procurou seu caminho e o povo ficou descansando por mais algumas horas, mesmo porque o sol preguiçoso não estava a fim de colaborar. Penso que ele tivera uma briga feia com a lua por isto resolvera fazer uma greve sem nexo, é claro.
Finalmente o feriadão acabou e voltamos para casa acompanhados por uma chuva que não dava trégua. Dois dias depois comecei a sentir uma dor no corpo, tosse acompanhada de uma febre terrível. Fui à farmácia do Valdir, nosso médico do bairro, ele me examinou constatando uma gripe fora do comum. Receitou alguns remédios exigindo repouso absoluto, porém, como não tinha atestado me obriguei a ir trabalhar, mas quando cheguei no serviço a simpática moça, espécie de enfermeira, terapeuta me vendo naquela situação marcou uma consulta com o médico que atendia a empresa através de um convênio. Fui direto ao consultório, ele me examinou por completo dando o seu veredito: ficar uma semana de molho na cama sem sair de casa em hipótese alguma. Sorte minha que o doutor expediu o atestado na hora me eximindo de perdas laborais.
Naqueles tempos as empresas eram mais “humanas” para com seus empregados, pelo menos foi isto que percebi em suas atitudes de relação empregador/empregado. Resumo da ópera, aquele feriadão que deveria ser proveitoso em sua totalidade, foi de chuvas, pouca diversão e uma semana de cama para recuperar de uma gripe que por pouco não teve um desdobramento maior, não fosse os primeiros socorros do nosso “médico do bairro”, o Valdir da Farmácia. Vida longa para ele.
Quanto ao meu colega de serviço, hoje ele é um grande engenheiro civil, onde alguns anos atrás nos encontramos no corredor de um supermercado. Até aquela altura estava muito bem situado numa empresa de engenharia. Aproveitamos para recordar o nosso acampamento de 15 de novembro de 1976. E lá se vão quase 50 anos. Recordar é viver...
Valmir Vilmar de Sousa (Vevê) 10/09/24