A BENGALA

Talvez esperando por mim, ela estava apoiada e semiescondida na estrutura de metal entre os assentos de duas cadeiras da sala vip, no aeroporto Humberto Delgado onde passei mais de seis horas esperando pelo voo que me traria de volta para o Recife.

Naquele 30 de abril de 2011, parece que as chuvas programadas para toda primavera, resolveram cair de uma só vez sobre Lisboa.

Meu voo estava marcado para as 16 horas e eu deveria chegar com duas horas de antecedência. Nada de excepcional para quem, como eu, costuma cumprir os horários determinados.

Também já havia cumprido toda a programação e, salvo algum outro lugar de interesse que se me fosse sugerido, eu não tinha mais nada a fazer em Portugal. Portanto preferi ir para o aeroporto logo no início da manhã, a fim de evitar qualquer empecilho.

Por causa do mal tempo, houve engarrafamentos homéricos, atrasos de voos, cancelamentos, avisos desencontrados, gente reclamando dos serviços e tudo mais que as bruscas alterações do tempo costumam fazer.

Para evitar a monotonia que a lentidão das horas causa ao escorrerem lentamente por entre os ponteiros paralíticos dos relógios, fui ver os lançamentos na livraria e, como não poderia deixar de ser, comprei livros que já não poderia colocar na mala, por haver feito o check-in logo na chegada ao aeroporto.

Um só livro não pesa muito, mas os vários que comprei, pesavam bastante, além do volume avantajado.

Depois do almoço fui para a sala vip para ver se encurtava o tempo para o embarque enquanto observava através das janelas envidraçadas que o tempo tinha dado uma trégua.

Os voos atrasados foram liberados e os habitantes da sala vip desapareceram atrás das portas. Novas levas de passageiros entravam e saíam da sala, mas não apareceu ninguém para reclamar a bengala. Examinei-a para ver se continha alguma referência de quem seria o dono para devolvê-la, mas não havia nada que dissesse que ela teve um dono.

“Achado não é roubado, quem perdeu foi relaxado” é um ditado antigo que justifica a contravenção de apossar-se de algo que não lhe pertence.

Imaginei e comprovei que a bengala serviu de apoio para o pacote com os livros. Finalmente na fila, um funcionário da companha aérea me mandou entrar antes de todos com a justificativa, apontando para a bengala– o senhor que tem necessidade especial, pode embarcar agora. E por conta desse favor que a bengala me proporcionou, eu não quis me desfazer dela.

Agora mais de 13 anos depois, a bengala está cumprindo a sua real função, vez que me apareceu problema no osso calcâneo do pé esquerdo.

Deve ser o presente da natureza pelos meus 80 anos...