Entre Sem Bater - A Felicidade no Século XXI

Yuval Noah Harari disse:

"... inteligência definitivamente não é algo que é direcionado para amplificar a felicidade ..."(1)

Yuval Noah Harari, numa trilogia, aborda os aspectos que todos os seres humanos(2), atualmente, relegaram a um plano inferior. Alguns temas fogem da compreensão da maioria dos frequentadores de redes sociais, inclusive a ideia da felicidade real. Com toda a certeza, este filósofo judeu está em sintonia com os problemas da humanidade muito além de todos nós. Os aspectos que ele descreve e avalia, com análise do antes, do durante e do depois, estão nas pautas de quase todos no planeta, superficialmente. As abordagens de Harari vão muito além dos conceitos básicos de: Secularismo, Liberalismo, Algoritmos na história do Homo Sapiens.

FELICIDADE

Algumas palavras mudam seus conceitos e aplicações de tempos em tempos. Assim sendo, termos como livre arbítrio, consciência e inteligência adquirem visões e perspectivas muito diferentes. Como se não bastasse, outros termos, como felicidade(*), que nunca tiveram definição clara, se perdem na babel da humanidade. Anteriormente, a ideia de felicidade variava em função de quem definia de maneira individual e a propagava.

Harari tem, em muitas de suas frases no livro "Sapiens - Uma breve história da humanidade", perspectivas bastante interessantes. Por exemplo, um pensamento seu sobre a felicidade, que associa com religião e política, é lapidar.

“Você nunca conseguiria convencer um macaco a lhe dar uma banana prometendo-lhe bananas ilimitadas após a morte no paraíso dos macacos.” Yuval Noah Harari, Sapiens: Uma Breve História da Humanidade (2011 - Em Hebraico)

A ideia de, analogamente às promessas políticas e religiosas, convencer macacos sobre a felicidade após a morte é instigante. Deveria, outrossim, levar as pessoas que lêem a frase ao menos a pensar sobre o assunto. Entretanto, as expressões e manifestações de quem lê até este texto serão típicas de um neanderthal.

Mas como seria o conceito de felicidade de um neanderthal e o que provocou a mudança que vemos atualmente na nossa sociedade?

A FELICIDADE NO SÉCULO XXI

Em primeiro lugar, a frase-chave deste texto exige uma complementação explicativa que está presente na fala de Harari. Adicionalmente, por ser bem recente, merece uma pausa para que cada leitor respire e leia. Assim sendo, deixe o que você está fazendo de lado e pense rapidamente sobre a sua felicidade antes de continuar esta leitura.

"Inteligência definitivamente não é algo que é direcionado para amplificar a felicidade. Eu também enfatizaria a enorme, enorme diferença entre inteligência e consciência, que muitas pessoas, certamente na indústria de tecnologia e na indústria de IA, tendem a ignorar." Yuval Noah Harari: Natureza Humana, Inteligência, Poder e Conspirações" no Podcast Lex Fridman, encontrado no Deep Cast (17 de julho de 2023).

O ÁPICE DA FELICIDADE SUPERFICIAL

Nos últimos anos, o surgimento das redes sociais modernas transformou profundamente a forma como os seres humanos se conectam e interagem. A princípio, o que eram ferramentas promissoras para o fortalecimento de laços, a troca de informações e a aprendizagem coletiva, desvirtuou-se. Com toda a certeza, essas plataformas evoluíram para cenários sob domínio de dinâmicas que promovem superficialidade e individualismo.

Para muitos pensadores contemporâneos, como Yuval Noah Harari, essa tendência é um reflexo, sem dúvida, de um paradoxo humano. Inquestionavelmente, quanto maior o nível de inteligência, menor a probabilidade de felicidade genuína.

A visão de Harari sobre a inteligência humana e sua relação com a felicidade é crítica e provocadora. Desta forma, ele sugere que seres humanos, ao adquirirem mais conhecimento e capacidade de raciocínio, afastam-se de estados de felicidade. O motivo seria a capacidade de perceber, com mais clareza, as complexidades, incertezas e injustiças do mundo. Surpreendentemente, mais inteligência pode gerar maiores níveis de angústia e infelicidade, em vez de paz.

Em paralelo, as redes sociais, sob a regência de algoritmos complexos, tentam oferecer um "escape" fácil para essa insatisfação. Elas fornecem, com toda a certeza, distrações rápidas e prazeres fugazes, ou seja, a felicidade de milhões. No entanto, a inteligência, que deveria ser um antídoto contra a alienação, se vê diante de forças poderosas da dopamina digital. Desse modo, produz-se uma antítese marcante entre conhecimento profundo e gratificação superficial.

Enfim, o que parece ser o ápice da felicidade superficial parece que ainda está engatinhando, e surge a inteligência superficial(3).

INTELIGÊNCIA SUPERFICIAL

A falsa sensação de felicidade nas redes sociais alimenta-se de um ciclo constante de recompensas rápidas e até pueris. Esses mecanismos ativam circuitos de prazer no cérebro que, à primeira vista, podem parecer satisfatórios, mas são efêmeros. Quando um indivíduo publica uma foto ou compartilha uma opinião, busca não apenas aceitação, mas também validação externa. No entanto, essa validação baseia-se em interações muitas vezes triviais e sem substância. As pessoas, via de regra, não têm a mínima aproximação com a história que a fotografia pode contar. Preocupam-se, outrossim, em agradar quem postou ou simplesmente no aspecto técnico da fotografia, e muitos até pagam para ter a imagem.

O que se perpetua é a busca incessante por essa aprovação superficial, alimentando o narcisismo(4) e o individualismo. Quanto mais se engaja nessas dinâmicas, mais se distancia de uma felicidade com alguma substância.

Essa superficialidade vai de encontro à natureza da inteligência, que, por definição, busca explorar e compreender camadas da realidade. A inteligência exige reflexão, questionamento e autocrítica, elementos que muitas vezes inexistem nas redes sociais. O ambiente digital moderno premia a rapidez e a simplicidade, em detrimento da complexidade e do pensamento crítico. A cultura da "curadoria de si mesmo" — onde cada indivíduo tenta projetar a versão mais invejável de sua vida — reforça a desconexão com a autenticidade. As imagens perfeitas, as frases de construção cuidadosa e os momentos artificialmente felizes escondem a verdadeira condição humana. Em outras palavras, as imperfeições, incertezas e dúvidas de todos os seres humanos, sumiram nas redes sociais.

A falta de Inteligência, provoca o crescimento da felicidade, nos termos que Harari sugeriu.

EGOCENTRISMO

Nesse ínterim, de crescimento da felicidade superficial e diminuição da inteligência, nada é tão ruim que não possa piorar.

As redes sociais promovem um individualismo, ou seja egocentrismo, completamente sem controle. A criação de perfis verdadeiros, timelines personalíssimas e bolhas de informação reforça uma percepção de mundo centrada no "eu". Esse processo de isolamento virtual pode, paradoxalmente, aumentar o sentimento de solidão, mesmo em um contexto de hiperconectividade. Para os seres mais inteligentes, que podem perceber esse isolamento com mais clareza, as redes sociais se tornam uma bomba relógio.

O que inicialmente parecia ser uma ferramenta para se aproximar dos outros e expandir horizontes, revela-se como um espaço de alienação. Em outras palavras, simplesmente as conexões humanas autênticas são raras, com muitos fragmentos e com pouca compreensão coletiva.

FELICIDADE COLETIVA EM VERTIGEM

Por fim, as redes sociais incorporam, exacerbam, potencializam ao cubo o declínio da felicidade coletiva. Em vez de promover um senso de comunidade e partilha de uma sensação de bem-estar, incentivam comparações, inveja e competições. A famosa frase "a grama do vizinho é sempre mais verde" encontra seu auge na era das redes sociais. A felicidade coletiva está em vertigem, e a exposição contínua a vidas surreais provoca, sem dúvida, frustrações silenciosas.

Para uma mente inteligente, a percepção de que essas comparações em aparências ilusórias agravam, certamente, a insatisfação com a própria vida. Cria-se, desse modo, um ciclo perverso de busca por validação externa e desconexão interna, que agrava-se a cada dia. As notícias de golpes, falcatruas, perfis falsos e outras maldades é a prova cabal que tudo mudou e a felicidade não existe coletivamente.

Em suma, a inteligência e as redes sociais modernas são, de fato, antagonismo puro, real e crescente. A primeira busca, inquestionavelmente, sentido, profundidade e uma compreensão mais ampla da realidade. Por outro lado, as segundas promovem a superficialidade, a instantaneidade e a validação vazia e estéril.

Ao seguir o fluxo dos algoritmos dessas plataformas, os usuários cultivam uma felicidade frágil e individualista. Felicidade que se dissolve em segundos, diante de qualquer análise com mais critério e ceticismo. Portanto, o verdadeiro desafio do século XXI talvez seja resistir à tentação de trocas superficiais e reconquistar a autenticidade e o contentamento. Assim sendo, esta felicidade, mesmo precária, só surgiria através de uma inteligência com autoconhecimento.

Enfim, parece que até mesmo a inteligência artificial será capaz de dominar a inteligência superficial e a felicidade dos seres humanos. Com toda a certeza, inteligência, consciência e felicidade, em qualquer definição conceitual, não cabem "no mesmo balaio".

"Amanhã tem mais ..."

P. S.

(*) O Budismo indica que a felicidade moderna é independente de condições externas. Adicionalmente, o Budismo sugere ainda que devemos parar com a busca por realizações externas e valorizar sentimentos Internos e coletivos.

(1) "Entre Sem Bater - Yuval Noah Harari - A Felicidade no Século XXI" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/09/09/entre-sem-bater-yuval-noah-harari-a-felicidade-no-seculo-xxi/

(2) "Entre Sem Bater - Harari - Seres Humanos" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/04/23/entre-sem-bater-yuval-noah-harari-seres-humanos/

(3) "Entre Sem Bater - Cezar Taurion - Inteligência Superficial" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/04/14/entre-sem-bater-cezar-taurion-inteligencia-superficial/

(4) "Entre Sem Bater - Jessica Benjamim - Narcisismo ao Contrário" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/08/26/entre-sem-bater-jessica-benjamin-narcisismo-ao-contrario/