Coitado

Seu carro ficou sem gasolina no meio da estrada?

Que pé-frio.

O rádio sintoniza aqueles papos chatos entre o locutor, que aparenta estar sempre feliz com o mundo, e o participante do programa, que acredita naquela felicidade. É um baba-ovo impossível de se ouvir por mais de cinco minutos? As propagandas que desfilam nas ondas sonoras parecem uma enganação de arrepiar? Todos os produtos são os melhores do planeta? As lojas anunciadas sempre exibem as ofertas dos seus sonhos? O atendimento é perfeito, de primeiro mundo, e os preços, os menores possíveis?

Infeliz de você! Esse não é um dia qualquer!

Você está à beira da rodovia, com frio, fome e ouvindo músicas que mais te parecem próprias para um velório? O celular não encontra linha e os carros passam rápido sem perceberem que você existe? As aves que sobrevoam o céu cinzento são urubus agourentos?

Mas que má sorte! Que fatalidade!

Você sai do carro e o vento fica mais forte fazendo-o desanimar cada vez mais? Uma garoa começa a cair e você quer chorar e não consegue? Você volta para o interior do veículo e espera o tempo melhorar um pouco? O carro é frio, insensível?

Isso é que é ziquizira! Isso é inhaca!

Demora uma eternidade para passar a primeira hora parado ali? Graças a Deus a garoa e o frio diminuíram e você pode pedir ajuda novamente? Naquela estrada sem fim, seus gestos não são notados pelos ocupantes dos veículos que velozes lhe parecem felizes?

Azar o teu! Que dia infeliz!

Lá vem um viandante, maltrapilho e com a barba por fazer?

Para ele, você é apenas mais um a não entender a solidão e a tristeza que ele carrega durante anos, pesada como o saco que temas costas? Ele nem olha para você e consequentemente nem o cumprimenta?

Isso é coisa de caipora! De feitiço, de enguiço!

O lugar que você está parado se chama Três Árvores? Você procura as três árvores que devem ter dado o nome àquela localidade? Você não encontra três árvores solitárias, mas muitas e muitas e muitas outras? Muitas árvores e nenhuma casa para pedir ajuda?

Que urucubaca! Quanta desventura!

Depois de duas horas naquele sofrimento um carro para a fim de socorrê-lo? É um anjo? Ele conta que já ficou naquela situação e sabe o quanto é horrível? Leva–o até o posto de gasolina? Não seria um golpe, um blefe, uma arapuca?

Tenho pena de você! E isto fica mais evidente quando eu sei que você sou eu!

Aroldo Arão de Medeiros

25/05/2008

AROLDO A MEDEIROS
Enviado por AROLDO A MEDEIROS em 09/09/2024
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