Coberta d’alma
Quem está na chuva é para se molhar. Quem está na rua é para se mover, caminhar.
Caminhava, na verdade estava de carro, quando me veio a ideia de escrever sobre algo que está se perdendo com o tempo.
Antes, lembro que escrevi uma crônica sobre a festa da cumeeira. Essa prática também se perdeu com o tempo.
Algumas culturas açorianas, graças à perseverança dos manezinhos continuam a todo pique. É o caso da renda de bilro, muito usual na Lagoa da Conceição na Ilha de Santa Catarina, perpetrada pelas bordadeiras. Também as gaiolas para carregar coleiras e curiós. Até curiódromo tem na ilha. Eu, particularmente, nunca mais vi a dança de pau de fita, embora folguedos de boi de mamão vez ou outra aparecem à minha frente.
Voltando ao assunto principal, coberta d’alma, essa tradição açoriana está morrendo. Para que ela sobreviva, alguém tem que morrer. Explico: quando uma família era abalada pela óbito de um ente querido, havia o hábito de doar uma roupa do falecido. A pessoa escolhida poderia ser alguém indicado por ele em vida ou alguém que a família admirasse a ponto de o escolher. O traje, poderia ser a roupa preferida do finado, ou mesmo peças novas, compradas especialmente para o ritual que, como já falei, se chamava coberta d’alma, mas pode ser nominada como coberta da alma.
A coberta da alma deve ser usada pelo escolhido nas missas de sétimo dia ou de um mês. Hoje, não se faz mais isso.
Pegam as roupas dos mortos e dão para os mais pobres. Minha família, mesmo sendo descendente de açorianos, perdeu o hábito dessa cultura. Dia desses pedi para minha mulher pegar uma camisa de manga comprida e ela me passou uma que eu não conhecia. Então explicou tratar-se de roupa do meu cunhado que havia morrido, vítima da Covid-19. Senti um aperto no peito. Não chorei na frente dela, vesti como se tivesse ganho um dos melhores presentes de minha vida.
Fiquei contentíssimo de usar a camisa de alguém de quem eu tenho orgulho por ter entrado em minha família. E tenho certeza que ele também gostava muito de mim.
Recordarei sempre de ti. Não apenas quando vestir tua camisa, mas sempre que algo bom me aconteça, pois tu eras a alegria em pessoa.
Adeus Edinho.
Aroldo Arão de Medeiros
07/07/2022