LUZES

Luzes

Quando era criança, lá pelos meus cinco anos de idade, morava numa fazenda muito grande muito espaço para brincar de tudo. Na verdade, com cinco anos, mesmo sem perceber, já era poeta. Embora eu ache que todas as crianças são poetas.

Dividia o meu dia em luzes.

Já bem de manhãzinha, mesmo sem ter idade para freqüentar escola, era para lá que eu ia. Na verdade eu não entrava. Ficava apenas espiando pela janela com um pedaço de papelão que conseguia rasgando de uma caixa qualquer e um pedaço de carvão que pegava do fogão a lenha de minha mãe.

Olhava atentamente a professora escrever no quadro negro aquelas coisas esquisitas. Copiava os movimentos de suas mãos e como ainda não sabia ler, as coisas saiam mais ou menos assim:

Casinha era meu desenho do “A”, que mais parecia um telhado. Depois vinha o meu pente. Era o “E”, até sentia minha mãe ou minha avó me penteando. O desenho seguinte eu chamava de poste, era então o “I”. Depois vinha minha mistura de almoço favorita, o ovo. Era assim que eu via o “O”. Por último o objeto de minha avó que eu mais brincava: o grampo. Assim eu imaginava o “U”.

Minha manhã na escola terminava no intervalo. Era fantástico. A professora rodeava as paredes por fora da escola e me encontrava sentado tentando entender o que tinha desenhado.

Em suas mãos ela trazia sempre uma cadeira e um embrulho. Ela sentava perto de mim, eu encostava a cabeça em seu colo e aos poucos ela me alimentava com seu lanche, um pão com manteiga que ela trazia da cidade. Depois eu voltava para casa.

De manhã minha luz era conhecimento.

Pela tarde, logo depois do almoço, ajudava minha avó no quintal. Corria atrás das galinhas e patos. Uma barulheira só. Subia nos pés de goiabas e mangas. O cachorro se enroscando em minhas pernas me derrubando. Nunca me vi de outra forma, a não ser sorrindo. Quando cansava, arrastava vovó até a sombra da mangueira. Ela se sentava e eu no colo dela e ali ouvia histórias do Saci, de escravos, de caçador, às vezes ela cantava. Mas era muito bom ouvir minha avó contar as peripécias de meu avô, que por infelicidade, pouco o conheci. Então eu dormia com os cafunés feitos por minha doce avó com seus dedos entre meus cabelos.

Pela tarde minha luz era sabedoria, experiência.

À noite... Bem à noite eu era apenas eu. Um menininho de cinco anos, que pouco se cansava e adorava brincar. À noite eu saía pelo campo e girava e girava e girava e dançava e dançava e valsava entre os pirilampos.

À noite minha luz era o meu próprio ser. Era eu, criança, na minha essência.

do livro Meninas e Meninos, Sérgio Prado editora Topázio - Araras/SP

Sérgio Prado
Enviado por Sérgio Prado em 12/01/2008
Reeditado em 12/01/2008
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