Entre Sem Bater - Desviando da Imbecilidade

Fernanda Young disse:

"... antigamente dava para a gente se desviar da imbecilidade, agora não ..."(1)

Fernanda Young exigia muito de quem a admirava e a seguia nos seus trabalhos. Nada estava escrito e explícito, sempre havia as entrelinhas e hiatos para servir de reflexão. Eu, por exemplo, gosto desta linha de raciocínio e a pratico, acredito na inteligência das pessoas. Embora a maioria das pessoas desrespeite quem emite opinião própria(*) e se manifesta abertamente. Certamente é um problema que a nossa sociedade moderna não aceitou. Continuamos a queimar bruxas como na Inquisição, a despeito da pretensa inteligência das pessoas(2).

IMBECILIDADE

Algumas palavras vêm e vão, de acordo com os modismos e até mesmo com os interesses de influenciadores e assemelhados. Por exemplo, o termo imbecilidade pode ser muito ofensivo se tiver como alvo uma pessoa específica. Por outro lado, se for aplicável a algum caso geral, numa generalização que exclua a maioria dos ouvintes/leitores, vira gracinha.

Em outras palavras e objetivamente, desviar da imbecilidade que reina nas redes sociais é impossível. Embora alguns experts pensem, do alto da sua própria imbecilidade, que ignorar outros imbecis é uma solução. Vivemos, sem dúvida, tempos difíceis em que termos sinônimos de imbecilidade servem até para esconder a verdade.

De acordo com o dicionário, sinônimos de imbecilidade (ato ou comportamento do imbecil) podem ser:

Asneira

Besteira

Burrice

Cretinice

Estultícia

Idiotice

Inépcia

Névoa

A ordem alfabética dos sinônimos é proposital, pois cada um deles pode, certamente, ter agravantes ou atenuantes. Ainda seguindo uma definição de dicionário (que perde sentido no mundo digital), podemos dizer que tudo mudou.

Anteriormente, ou como diz a Fernanda Young, antigamente, a definição de imbecilidade era típica da psicopatologia clínica:

"Deficiência moderada do desenvolvimento das faculdades intelectuais, equivalente a uma idade mental entre os três e os sete anos, caracterizada por um quociente de inteligência entre 30 e 50."   in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, 2008-2024

Em suma, o que antes era uma definição clara, agora generalizou para indivíduos com qualquer QI, mas com mentalidade de 5a. série. E, surpreendentemente, as redes sociais que eram para promover maior conhecimento, elevaram o patamar da imbecilidade coletivamente. Assim sendo, é impossível qualquer tentativa de desviar da imbecilidade, independente da raça, sexo e preferências do/a estulto/a.

UMA VISÃO CLÍNICA E SOCIAL

Em primeiro lugar, reforço como fiz em muitos textos e abordagens, que não sou profissional da área de estudo em questão. Como escrevi recentemente, o trabalho da sociologia é inútil na atualidade. Em outras palavras, corro o risco de estar praticando a imbecilidade que descrevo, pelos profissionais especialistas, que assim seja.

Historicamente, a imbecilidade era um conceito clínico que relaciona-se a déficits cognitivos graves. O termo, que era da psicopatologia, referia-se a um estado de inteligência significativamente abaixo da média. É provável que tenha relação com os baixos índices de Quociente de Inteligência (QI). Essa condição, em graus mais severos, fazia parte de uma classificação maior, que incluía o idiotismo e a cretinice. Estes e outros diferentes níveis progressivos de comprometimento mental, apresentavam-se dentro de limites geográficos e sociais. A partir do século XIX, psiquiatras e neurologistas desenvolveram estudos sobre distúrbios mentais, categorizando estes graus de deficiência intelectual. Certamente, o objetivo de fornecer diagnósticos e tratamentos que não fossem experimentos cruéis com seres humanos.

SOCIOLOIA EM ALTA

A sociedade tratava a imbecilidade com certo distanciamento, aqueles que possuíam limitações cognitivas graves eram incapazes de uma vida independente. Esses indivíduos eram muitas vítimas do desprezo e da indiferença, talvez pela falta de compreensão científica e pelo estigma social prevalente.

A crença na incapacidade intelectual e moral dos "imbecis" tinha raízes profundas em preconceitos culturais e científicos da época. Desse modo, soluções excludentes, como a eugenia em alguns países, eram comuns e uma prática que grande parte da sociedade defendia. A imbecilidade era apenas uma deficiência individual, mas também era um fardo social da coletividade.

Com o desenvolvimento da psicologia e da psiquiatria no século XX, com o trabalho de profissionais como Freud e Piaget, muita coisa mudou. Inquestionavelmente, as noções sobre capacidade intelectual evoluíram, distinguindo deficiências cognitivas de comportamentos imaturos ou irracionais. A imbecilidade, porém, perdeu gradualmente seu caráter clínico restrito. Em outras palavras, entraram em cena termos mais precisos, como "deficiência intelectual" e "transtornos de desenvolvimento". Por outro lado, o uso popular da palavra permaneceu como sinônimo de tolice ou estupidez, sem filtros ou limites.

No Brasil, até recentemente, situações absurdas eram até motivo de crenças em diagnósticos parciais e criminosos. Temos, por exemplo, o documentário sobre o "Holocausto Brasileiro"(3) em que imbecis ou não eram párias até nas próprias famílias. Entretanto, desviar da imbecilidade, que era fácil antigamente, perdeu o sentido com as redes sociais, sob todos os aspectos.

A IMBECILIDADE NAS REDES SOCIAIS

Com o surgimento das redes sociais e a explosão da comunicação digital, o termo "imbecilidade" ganhou novas nuances. Diferentemente do seu uso clínico clássico, a palavra passou a descrever comportamentos que evidenciam baixa capacidade de reflexão crítica. Desse modo, a polarização extrema e aceitação de ideias simplistas ou sem fundamento criaram o novo "normal".

Nas redes, a imbecilidade assumiu um caráter mais difuso, aparecendo não como resultado de déficits cognitivos intrínsecos. Por outro lado, são como produto de uma dinâmica que recompensa o conteúdo superficial, emocional e sensacionalista. Em suma, quanto mais imbecil, estúpido e inverossímil, mais se torna viral.

Os algoritmos que regem plataformas como Facebook, Twitter e Instagram priorizam o engajamento em vez da qualidade informativa. Desta forma, estes comportamentos amplificam-se, mas outrora, teriam a classificação clara de imbecis. Como se não bastasse, o fenômeno da desinformação prospera em ambientes onde a verificação de fatos é menos importante. O compartilhamento em massa de conteúdos polêmicos e conspiratórios é, com toda a certeza, uma prioridade. Isso cria um círculo vicioso no qual premia-se a "imbecilidade digital" através da visibilidade e interação.

SOCIOPATIA E PSICOPATIA

Especialistas em psicopatologia, como aqueles que lidam com sociopatia e psicopatia, inquestionavelmente, navegam noutras praias. A dinâmica das redes sociais inova com os tais transtornos de personalidade, como a falta de empatia, narcisismo e impulsividade. Por isso, o anonimato e a distância emocional existente nas plataformas e apps criam um ambiente de opiniões extremas e irracionais. Adicionalmente, o escudo da "liberdade de expressão" tira o peso das consequências e responsabilidades de cada indivíduo, o que é gravíssimo. Estudos na área de saúde mental sugerem que a comunicação online muitas vezes desinibe comportamentos impróprios e até criminosos. Entretanto, na vida real, estes comportamentos teriam limites e controle de normas sociais, legais e a pressão de pares.

A imbecilidade digital, nesse sentido, não é apenas a manifestação de uma deficiência intelectual. É, em suma, o resultado de um ambiente que encoraja a simplificação extrema, o escárnio e a polarização insana e estéril. Como resultado, torna-se impossível evitar sua prevalência nas redes o impacto emocional sobrepondo a razão. Com isso, a "imbecilidade" se espalha de forma viral, fazendo com que o debate inexista e a desinformação se torne uma constante. Consequentemente, qualquer tentativa de escapar dessa imbecilidade reinante exige um esforço para promover a educação digital e o pensamento crítico.

Que me perdoem os profissionais especialistas em comportamento sociais e humanos, vocês (digo nós) perderam !

E uma palavrinha final, aqueles egocêntricos(4) que se imaginam imunes ao fugirem daquilo que discordam, não entenderam nada. Vocês estão praticando e abrindo espaço para a vitória da imbecilidade e dos imbecis.

Tenham a certeza que é uma pandemia, sejamos inclusivos !

"Amanhã tem mais ..."

P. S.

(*) Ter opinião própria transformou-se num crime hediondo, ante a imbecilidade que reina nos grupos e redes sociais. Não tem como desviar ou ignorar os praticantes da doença mais espetacular do século XXI.

(1) "Entre Sem Bater - Fernanda Young - Desviando da Imbecilidade" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/09/06/entre-sem-bater-fernanda-young-desviando-da-imbecilidade/

(2) "Entre Sem Bater - Fernanda Young - A Inteligência das Pessoas" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/03/13/entre-sem-bater-fernanda-young-inteligencia-das-pessoas/

(3) "Entre Sem Bater - Daniele Arbex - Holocausto Brasileiro" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/02/26/entre-sem-bater-daniela-arbex-holocausto-brasileiro/

(4) "Entre Sem Bater - Carl Jung - Egocentrismo a Epidemia" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/08/19/entre-sem-bater-carl-jung-egocentrismo-a-epidemia