Cartas romanas de Terezinha Coutinho

Margarida Costa de Lima tem 85 anos, nasceu em Catolé do Rocha e lançou um livro com 435 páginas sobre a cidade de Bom Sucesso, onde mora. Terezinha Campos Coutinho reside em Bananeiras, escreveu três livros e está finalizando a quarta obra, aos 87 anos. Terezinha preside a Academia de Letras de Bananeiras, onde eu me encarrego da secretaria, orientado pelo meu confrade Manoel Luiz, com seus 83 anos e mais de dez livros publicados. O vice-presidente é Oséas, também do time dos setentões. O mais juvenil dessa confraria sou eu, com meus 69 anos. Essa galera me tira da zona de desconforto associado à maturidade. São pessoas que levaram anos e anos de prática, de técnica para conseguir chegar à vetustez com essas mentes vigorosas e dinâmicas.

Porque cabeça vazia é oficina de barata desconexa. O inseto da caducidade só precisa de um sinalzinho de decrepitude, um vacilo qualquer para se instalar e brecar nossa capacidade de criar. Por isso levo meus dias de aposentado escrevendo, na vã expectativa de produzir minha obra prima. Às vezes, numa média de duas ou três vezes por ano, eu paro e penso: o que diabo faço, tomando meu improdutivo tempo a compor palermices, enquanto o ocaso cada vez mais comparece nos hemogramas e sinais biológicos do fim? Daí chega um confrade e reacende minha fé:

– Não esmoreça! Victor Hugo tinha 60 anos quando escreveu “Os miseráveis”, um dos maiores clássicos da literatura mundial. Você vai acabar colhendo o que plantou pela vida toda.

Só que eu não plantei isso que estou colhendo não! Sabotaram minha horta. Só pode! Aí vou visitar minha amiga Terezinha, encontro-a escrevendo à mão seu próximo livro. Independentemente de qual seja o nível da qualidade literária de sua produção, só o fato dela ignorar as muitas décadas de vida e os achaques naturais da idade para se sentir renovada ao escrever, quando a dor desaparece, a saudade do seu amado e finado marido se abranda, a coragem de viver volta e pacifica o estresse na terceira idade, isso já vale a pena registrar sua visão de mundo nos seus poemas memorialísticos. Fernando Pessoa confessou: “Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto”.

Ariano Suassuna morreu com 87 anos. Uma das suas vaidades era ser velho, ter essa regalia de chegar até a idade avançada. O velho poeta se indignava com esse papo de “terceira idade”. “Velhice não é defeito, é triunfo e glória”, proclamava. Para Rubem Alves, psicanalista, educador, escritor e teólogo, outro que se foi depois dos oitenta, terceira idade é fila de banco, e velho é poesia. Durante a ditadura militar, Rubens Alves foi expulso da Igreja Presbiteriana, acusado de comunismo. Perseguido pelo regime militar, abandonou a Igreja e se exilou nos Estados Unidos. Sustenta a lenda que o poeta Rubens Alves, ao ser acuado pelos censores da ditadura, indagado sobre o que fazer diante da opressão fascista, foi profundo na jugular da intolerância: “Fazer e ler poesia. Os canalhas odeiam poesia”.

Li o livro ”Poemas que brotam do coração”, de Terezinha Campos Coutinho, escrito no idioma da saudade. Ela fala em versos sobre seu Toinho, esposo dileto e inesquecível, que “era vascaíno, de corpo e alma”, só não de coração porque esse pertencia à poetisa. Lembranças da cultura do mundo rural paraibano com seus antigos engenhos, seus valores e sua decadência, expressos na poesia descomplicada de Terezinha Campos, as remotas e doces recordações de Roma, o distrito de Bananeiras onde morou por muitos anos, sua cidade eterna, e não a velha capital nacional da Itália. Escreve o que aconteceu e o que poderia ter acontecido no universo açucareiro de pequenas engenhocas e dos grandes engenhos onde se criou e conheceu os momentos de esplendor e glória daquela sociedade baseada na economia do açúcar. Ela é parente do escritor José Lins do Rego, outro que embasa sua obra nas lembranças dos latifúndios da cana de açúcar, de certa forma questionando o modelo de dominação patriarcal. Os poemas/prosas de Terezinha Campos não falam das perversões da sociedade burguesa onde foi formada. Cria do então poder emergente dos usineiros, Terezinha se contenta em abraçar as rememorações de seu eterno namorado, homem que escolheu para compartilhar as alegrias da vida e hoje é a expressão maior de sua escrita. “A deliciosa rotina do nosso amor sagrado”, confessa a poetisa. São suas cartas de amor, cada dia mais sofridas, menos resignadas. Francesco Petrarca foi um poeta que viveu em Roma, morrendo em 1304. Ele escreveu, e repasso para Terezinha da Roma paraibana: “As duas cartas de amor mais difíceis de escrever são a primeira e a última!” Almejo que Terezinha escreva ainda muitas cartas poéticas de amor para seu Toinho.

Fábio Mozart
Enviado por Fábio Mozart em 05/09/2024
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