Pena de animais de pena
Ato 01 - 2023 - A caminho de casa, meio-dia de domingo, sol abrasador. Dobra a esquina, há um filhote de passarinho no chão. Caiu do ninho, só pode ser. Ainda não sabe voar, tadinho. Bichinho arisco, o homem tenta aproximar-se, salvar o filhote... Pode levá-lo para o apartamento... E se, no caminho, encontrar um ecologista, um fiscal do Ibama? Te prendem, te metem um processo, pensa na prisão ou, quem sabe, no pior: anos e anos de tornozeleira...
Mas se conseguir levar pra casa e legalizar a posse? Claro, pela lei estaria bem. Porém, teria uma limitação: não poderia viajar, teria que pedir alguém pra cuidar. Isso não ficaria de graça, custaria dinheiro ou deveria obrigação pra sua irmã. Ela cuidaria, sim, mas ia reclamar pelo resto da vida. Logo agora que tinha se separado, sem filhos pra cuidar... Não ia querer obrigação. Sabe de uma coisa? Quem pariu Matheus que o embale.
Porém não dormiu tranquilo aquela noite: um gato malvado apareceu em todos os sonhos com penas na boca.
Ato 02 - Anos 60 - O almoço era servido e os meninos iam comer no quintal, sentados em bancos de madeira, pratos no colo. Galo, galinhas, frangos e pintinhos ficam soltos até anoitecer e rondam gulosamente os comensais.
Cada um dos filhos tem direito a um bife. O mais sabido come o arroz, o feijão, o ovo e guarda o bife para o "gran finale". Como sempre, vai fazer inveja nos outros: eles comem o bife primeiro e ele gosta de dizer "não" quando pedem um pedacinho. E fica rindo.
Um dia, bife ainda intacto, um frango salta no seu prato e zarpa com o bife na boca. O menino tenta recuperá-lo, mas é tarde: o bife está incomível, cheio de terra, só resta chorar. O frango, que nem crocodilo, jogou o o bife pra lá e pra cá, a carne está toda lambuzada de terra. O menino Usurpado se enfurece, corre atrás e dá pauladas no Usurpador. Um dos golpes quebra a perna do frango. A irmã, que se diz dona da ave, destampa a chorar. O Usurpador, pobrezinho, vai pra panela no mesmo dia. Que bife caro!!! O menino não sente pena no momento, o ódio era maior, porém, quando lembra do episódio, sim, sente.
Ato 03 - Anos 50 - Vó Lóia amarra uma galinha de pintinhos no pé de goiaba, assim eles não fogem para os outros quintais. O menininho tem um ano e pouco. Brinca sozinho, enquanto a avó está tirando roupa do varal.
O inquieto encontra uma ripa com prego na ponta, acha engraçado espetar pintinhos e ver sangue escorrer. A galinha choca se enfurece, mas está presa por um cordão. Ataca o minivândalo, tenta bicá-lo, mas nada pode fazer contra o assassino de sua ninhada. Vó Lóia se dá conta do massacre, deixa seu trabalho, diz pra ninguém bater na criança, é um inocente. Soltou a galinha, salvou alguns pintinhos e enterrou sem cerimônia os falecidos.