O companheiro fiel.
Meu sobrinho tomou para si um passarinho morto. Achei a coisa curiosíssima. Ele o colocou em um baldinho azul, sua espécie de caixão improvisado e foi carregando-o por aí, sem dar pela falta de vida do bichinho. Sem dar ou sem se importar. Não queria abrir mão daquela amizade, nada queria saber a respeito do infortúnio que fez a criatura suceder, o que importava era o hoje.
Minha irmã foi interrogá-lo, queria dar um enterro digno para a pobrezinha da ave. "Tá morto, meu bem". Mas meu sobrinho relutou, balançou a cabeça, não queria. Como que pode esses adultos não enxergarem, como que pode ela querer me separar do meu passarinho "Tá não, mamãe. Tá morto não" ele dizia.
As crianças, eu acho, tem o sopro de vida mais poderoso, tem em si sem esforço a magia da criação, e tudo isso sem nem pensar: Basta acreditar em algo, basta saber, e então se fará vivo e companheiro fiel em seu eterno bater asas.
Eu tenho certeza que ao olhar nos olhos da avezinha, meu sobrinho conseguia ouvi-la cantar, conseguia vê-la se aprumar e fazer menção do vôo, e tenho certeza que quando lhe oferecia farelos de pão, o garoto via a ave bicar e pular em alegria. O passarinho, eu fiquei pensando, só está realmente morto quando se deixa a inocência voar pra longe.
Abençoadas são as crianças que vêem vida até quando ela deixa de ser, e abençoados são os passarinhos que, mesmo sem vida, ainda tem o amor das crianças.