Hoje é o Labor Day, o dia em que todas as atividades de verão sao encerradas: shows e exercícios nos parques, as piscinas fecham e começam as preparações para o outono. Assim é o americano: um tanto robotizado, passando de uma estação para a outra, talvez devido a essa forte ênfase no planejamento do futuro. Ele tende a organizar a vida de forma bem definida, como se tudo fosse medido com uma régua, dando uma sensação constante de preparação para o que vem a seguir.
No fundo, há uma beleza em como o ciclo das estações reflete o ritmo tão ordenado dessa cultura. É quase como se as mudanças no clima fossem uma coreografia bem ensaiada, onde cada movimento é calculado. Talvez, por vir de um país onde tudo é mais espontâneo eu veja essa organização de forma diferente. No Brasil, há uma flexibilidade maior. Nosso povo parece ter sido criado para a improvisação, sem muito medo do incerto. Aqui, a preparação é constante. Embora eu sinta uma segurança nessa previsibilidade, estou sempre à procura do imprevisível. E também de um pouco de espontaneidade, como um lembrete de que, mesmo dentro da ordem, deve haver espaço para o inesperado. É como se a rotina americana oferecesse uma moldura, e eu a aproveito, mas sempre colocando dentro desse quadro meus atos nao planejados.
Este ano aproveitei muito a piscina, fui quase todos os dias. Embora no meu condomínio ela abra às 10, eu chegava uma hora mais cedo. Como há casas ao redor, o cuidado era não fazer barulho. Eu deitava quietinha e ficava ouvindo os sons da vida ao meu redor. Um casal de velhinhos que discute todos os dias… Ela acorda e vai molhar as plantas, enquanto ele quer seu café! O outro vizinho sai com o cachorro, enquanto a mulher varre a área e canta. E tudo isso ao som dos gansos, que se reúnem para sua “conversa diária”, e, como em toda família, às vezes há briga feia.
Mudo de posição na cadeira e vejo Lynn, aquela senhora de 95 anos, saindo de casa com sua bengala para pegar o carro. A dificuldade que ela tem para atravessar a calçada é uma verdadeira prova olímpica. Por ser uma tarefa diária e desafiadora da qual ela nunca desiste, mereceria, ao lado de Rebeca Andrade, uma medalha de ouro; com sua caminhada lenta e determinada, é um reflexo dessa resistência que, de certa forma, todos compartilhamos. Aquela menininha autista que costumava brincar na piscina agora é uma adolescente. Não quer mais saber de brinquedos na água; até conseguiu um emprego das 11 às 2 em um restaurante. Agora, ela fica à beira da piscina para tomar sol, conversando na sua própria linguagem com a avó.
Essas pequenas cenas cotidianas são como capítulos de um livro vivo que nunca cansa de se reinventar. A cada manhã, novos diálogos, novos gestos, mas sempre com a mesma familiaridade.
Logo virá o outono, e com ele as blusas de moletom, as caminhadas sobre folhas secas e coloridas, assistindo à caída das folhas, que dão um espetáculo de vida com suas cores – a morte também tem suas belezas.
Assim, o ciclo recomeça, mas com ele a esperança de que - mesmo na previsibilidade do outono - ainda haja espaço para as pequeninas surpresas que me conectam à vida.