Memórias de um Vegetariano -4 (Gran Finale)

O PEIXE

Julio Arthur Marques Nepomuceno (*)

Já com vinte e tantos anos, fui com um amigo em um restaurante na capital pernambucana, especializado em frutos do mar. Havia um imenso aquário, e o peixe era escolhido pelo freguês, tirado de seu habitat por um funcionário, e enviado para a cozinha, onde era abatido. "Copiamos de um restaurante português", disse-me o cozinheiro, orgulhoso.

A clientela era grande, e segundo eu tinha ouvido, os pratos eram muito apreciados. Sabendo como funcionava, fiquei olhando o enorme aquário, que tomava a parede toda, e escolhi um que me chamou a atenção. Era um pintado, exuberante, elegante, que não sabia estar vivendo seus últimos minutos de vida.

Feita a escolha, foi uma longa espera... Eu e meu amigo, o D'Alesandri, um chileno que também passeava pelo Recife, resolvemos dar uma volta por perto do restaurante, pois fomos avisados de que a refeição tinha um preparo esmerado e ao mesmo tempo demorado.

Passamos pelo Mercado de Artesanato, pela Embaixada dos Bonecos Gigantes e pela Torre Malakoff. Eu ainda queria conhecer a Capela Dourada, uma das Igrejas mais antigas e também mais belas de Recife, mas o D'Alessandri me disse que era melhor a gente voltar para o restaurante, sob pena de comer peixe frio.

Meio contrariado, concordei com ele, até mesmo porque a fome já estava apertando. Voltamos ao restaurante e sentamos em uma mesa perto do aquário, aquele mesmo onde eu tinha escolhido o peixe.

Depois de algum tempo, o garçom trouxe a iguaria em uma baixela de prata, coisa fina, acompanhada de arroz e batata. Não demorou muito, e uma enguia veio para o meu lado. Apenas o vidro do enorme aquário nos separava. Brava, mais parecia uma caninana. Foi logo dizendo: - "seu desalmado, até há pouco, esse peixe nadava alegre, cheio de vida, e veja agora. Virou arte culinária, e você comendo o coitado... você e o desalmado do seu amigo... Você escolheu a vítima, matou, isso é crime doloso, premeditado, sem dar oportunidade de defesa à vitima”.

Estava tão brava dentro do aquário, parecia até que ia sair fogo da sua boca... Fiquei mal, comecei a suar frio, e o D'Alessandri chamou o garçom. Algo está acontecendo!, disse.

O garçom cobriu o peixe com um guardanapo, dizendo que nunca tinha visto uma reação desse tipo. Muito polido, me levou para o jardim de inverno. Mas ali ficava a outra extremidade do aquário - que era enorme - e a enguia me descobriu lá. Foi até onde eu estava, e continuou a bronca. Disse-me cobras e lagartos.

Depois de longo suplício, D'Alessandri foi buscar o carro e me deixou no hotel onde eu estava, continuando o seu caminho (ele estava em outro hotel). No quarto, um quadro enfeitava a parede... era um aquário, onde se destacava uma enguia. Foi a pior noite de minha vida. Não preciso dizer que resolvi, ali mesmo, que nunca mais ia colocar peixe na boca. Não queira saber o que é uma enguia brava...

E assim, vou tocando a vida. Uma batatinha aqui, uma alface lá, um pedaço de pão acolá. Estou entre aqueles que são chamados de “enjoados”, mas... estou feliz! E assim sou eu. Acredite se quiser.

(*) Julio Arthur Marques Nepomuceno sou eu

Julio Arthur Marques Nepomuceno
Enviado por Julio Arthur Marques Nepomuceno em 03/09/2024
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