Faz bem pra Vista

— Daniella! Com dois éles!

—Não foi.

—Juliana. Ela gostava.

—...não.

—Maria Eduarda. Esse seria seu nome.

—Pai! Que mal gosto!

É nessas horas que a dificuldade de ser filho de alguém morto abate nossas vidas. Bom, não é à toa que eles levam consigo tudo que podem, até senhas. Minha mãe, adulta dos anos 2000, teve muitas regalias tecnológicas patrocinadas pelo meu pai. Acontece que, por conta da novidade, ela decidiu testar a gente do futuro com uma senha.

Primeiramente, ela tinha um Windows Vista, daqueles que você sente até nostalgia mesmo: aquela foto de perfil de animal no centro junto com a caixa de senha embaixo e o fundo azul com profundidade e listras. Mas eu não suporto mais olhar para aquela caixa e ver embaixo escrito “Dica de senha: filha”. Isso está me tirando os nervos.

—Meu primo falou que era minha data de aniversário!

—Tenta, vai, anda!

—2111200...!... espera, tem que dar o sonzinho...

—Não foi!

Eu comecei a fazer as maiores teorias da minha vida. Vi que o Vista era um ano mais velho que eu, então só eu poderia estar vivo. Mesmo assim, minha mãe pegou para mexer nele quando meu irmão já estava na Terra, ainda em Minas (eu sou de São Paulo). Aí que vem: como “filha” ela só tinha eu! E nessa altura do campeonato a gente já tinha tentado nome até de quem nem pensava em existir naquela época (tipo a filha da minha prima mais nova). Aquela tela que me era tão familiar passou a ser um estorvo! Era eu, meu pai e meu irmão chutando nomes e datas.

—Vivi21...vivi11...vivi21...meuamor21... MEU AMOR. Errei, foi Caps Lock.

—Tenta japonesinha, talvez minha mãe tenha colocado isso.

—...

—Foi?

—Tem que dar o sonzinho.

Aquele sonzinho era uma esperança. Vai saber o que a minha velha morta escondia naquele Vista com tela mofada? Eu tinha medo e expectativa de que tivesse algo super bombástico! E é um medo real! E se lá tivesse mais fotos minhas? Talvez mensagens ou as contas dela? Isso me desesperava! Já estava me remoendo nessa senha horrível! Por que eu fui subestimar minha mãe com uma senha de dica tão simples e vaga? O que ela queria de mim? Era a senha ou o que tinha atrás dela que mais me assustava? Eu não sei, o que eu sabia era que o conteúdo de tudo me dava uma angústia.

—Michiyo! Takae!

—Bota meu sobrenome, pai.

—Sayuri. takaki11... tenta você.

Não teve jeito, vamos ter que levar pro concerto. Não temos como redefinir a senha em casa e... qualquer erro vai ser perda total, é um artigo muito sensível... igual meus sentimentos sobre o que minha mãe possa ter feito.