"DA VIDA MATERIAL, NÃO SE LEVA NADA" Crônica de: Flávio Cavalcante
DA VIDA MATERIAL, NÃO SE LEVA NADA
Crônica de:
Flavio Cavalcante
No dia a dia apressado da cidade grande, é fácil se perder no brilho das vitrines e na corrida desenfreada por status e riqueza. Parece que estamos todos mergulhados em uma competição invisível, onde o troféu é a acumulação de bens materiais. Carros de luxo, casas imensas, roupas de grife e gadgets de última geração se tornaram os ícones de uma sociedade que mede sucesso pelo que se possui, e não pelo que se é.
Parece que, a cada esquina, há um lembrete constante do que "deveríamos" ter para sermos felizes. Propagandas nos dizem que a felicidade está a uma compra de distância, que a satisfação plena vem embrulhada em uma sacola de shopping. Mas será que é isso mesmo? Será que essas posses trazem a felicidade prometida de fato?
Lembro-me de uma conversa que tive com um velho amigo, um daqueles que vivem com pouco, mas parecem ter tudo. Ele sempre dizia: "Dinheiro é bom, mas não compra paz de espírito e nem felicidade." Na época, eu achava que ele estava apenas se conformando com o que tinha. Hoje, entendo que ele estava muito à frente no jogo da vida.
Recentemente, fui ao velório de um colega de trabalho, um homem que dedicou cada minuto da sua existência à busca incansável por mais. Mais dinheiro, mais propriedades, mais reconhecimento. E ali, diante do seu corpo inerte, percebi que ele não levou nada consigo. Os carros ficaram na garagem, a casa luxuosa agora parecia um mausoléu vazio, e os prêmios e certificados emoldurados não passaram de lembranças efêmeras de um tempo que já não existia.
Conversando com outros presentes, ouvi histórias de noites sem sono, de fins de semana sacrificados, de relações familiares desgastadas. Tudo em nome de um ideal que, no fim das contas, não o acompanhou na última viagem. Era como se a sua vida tivesse sido uma longa estrada que, de repente, terminava em um abismo. E, olhando para aquele abismo, ficava claro: não há malas que se possa levar.
A verdade é que passamos a maior parte da vida correndo atrás de ilusões. Achamos que seremos completos quando atingirmos aquele marco, quando comprarmos aquele bem, quando tivermos aquela soma na conta bancária. Mas, na realidade, estamos apenas adiando a percepção de que a vida é muito mais do que isso.
As lembranças que levamos são feitas de momentos, de experiências, de afeto. São os sorrisos compartilhados, as conversas profundas, os abraços apertados. São as caminhadas ao entardecer, os almoços de domingo em família, as risadas até doer a barriga. Essas são as verdadeiras riquezas que, ao contrário dos bens materiais, permanecem conosco até o fim.
Vivemos em um mundo que nos empurra para a superfície das coisas, mas a profundidade da vida se encontra nas pequenas, porém significativas, interações humanas. No final das contas, quando olhamos para trás, percebemos que o que realmente importa não são as coisas que acumulamos, mas as conexões que criamos.
E assim, fica a lição inevitável: da vida, a gente não leva nada. É tudo ilusão. Então, que possamos viver com leveza, valorizando o que realmente importa, antes que seja tarde demais.
Flávio Cavalcante