Paicará
Milena encara-se no espelho fincado nas rochas arenosas da orla praiana. Enxerga sua virgindade e seu grande e dotado cérebro no reflexo. Enxerga seus lábios polpudos e cruéis, enxerga o vestido transparente de chita que está usando. O vestido farfalha e balouça com a maresia que sobe do mar. Milena, então, decide tirá-lo. A começar pelas sandálias plásticas, fica toda nua, a cabeleira ruiva caindo até os quadris raquíticos. De novo, se olha no espelho: enxergando-se pelada, desta vez. Peitos iguais a limões, bunda leitosa de tão pálida. A cintura traça curvas finíssimas. E por isso Milena se apaixona. A visão é inédita e genuína e mais alguém precisa vê-la.
Ela corre até a beira-mar com avidez, os olhos brilhosos e os braços alegres no ar. As ondas cantarolam em couro:
"Lá vem ela
Linda, a nossa bela
Por ela a gente espera
Venha rápido, donzela!"
Ao ouvir a amoriscada canção, Milena se enche de uma certeza igualmente cheia de amor, e se lança ao mar sem nem mesmo prender a respiração antes. Também não lembrara de fechar os olhos. Visto isso, a salmoura marítima castiga sua retina ocular e invade suas narinas. Todo aquele sal a agride, cegando seus sentidos. As ondas ainda cantam, só que agora mais baixinho, enquanto empurram o magricelo corpo de Milena aqui e ali. Cospem-na de volta à areia, e mudam a canção:
"Não sabemos se queremos
Mesmo assim, cantaremos
Para a nossa musa pelada
Que é quem escolhemos!"
Confusa com a rejeição das ondas, a mocinha se frustra por alguns instantes e deposita-se em um quiosque para pensar. Estava loucamente apaixonada pelo mar, que soube apreciar sua beleza e seu corpo. Mas não entendia o por quê de todo aquele sal pouco instigante. Também era estranho o fato do mar a jogar de volta para a areia. Olhou-se no roufenho espelho e viu que estava inesperadamente feia, o que fez maior seu desespero. Talvez por isso houve aquela rejeição, mesmo depois daquele lindo cortejo que recebera. Mas aquilo era decepcionante! Fora o mar com sua vastidão o primeiro a vê-la pelada, humana, sem vergonha.
Foi aos coqueiros e das folhas vultosas fez um biquíni tropical. Estava maravilhosa, o verde combinava com o vermelho de seus cabelos e com o carmesim de suas sardas. Sentia-se melhor, mas ainda estava abalada. Talvez, desta vez; o mar e suas ondas não fossem tão mesquinhos e reconhecessem a sua paixão. Aproximou-se da orla e o recinto estava emudecido. Nenhuma cantiga, nenhum madrigal, nada. Milena ameaçou chorar, picotada por aquela falta de interesse demonstrada pelo oceano índigo. Ajoelhou-se abaixo da luz parca da lua, desesperançosa. De repente veio um som novo lá do horizonte: um navio vinha para a praia, conduzido por um único marinheiro muito bonito. A embarcação era enorme, e a falta de mais tripulantes não fazia sentido algum. Mesmo assim, Milena fora recepcionar o visitante inusitado para que ele visse e adorasse seu biquíni feito de folha de coqueiro.
O Marinheiro diz:
"Me perdi dos outros navios. Não tenho mapa e muito menos bússola. Você mora aqui? Se sim, me fale onde fica o próximo porto."
A garota balança a cabeça, fazendo que não.
"Não sei onde fica. Porquê não dorme no meu quiosque?"
"Preciso estar lá antes do amanhecer."
"Eu te acordo, prometo!"
"Meu navio é mais quente que o quiosque. Vou dormir nele mesmo. Quer entrar?"
"Quero."
O Marinheiro, cujo nome era estrangeiro e de difícil pronúncia, apresentou para Milena cada centímetro de seu navio pouco modesto. Toda aquela tecnologia, locais e engenharia assustaram Milena, que aprendera sobre tudo com muito custo. O Marinheiro deu-lhe pato assado para jantar e vinho chique para beber. Também oferecera coberta quentinha e quarto de menininha, mas ainda não tinha notado o biquíni de folhas. Milena está irritadiça.
"O que aconteceu?" pergunta o Marinheiro.
"Nada."
O rapaz a inspeciona dos pés a cabeça, e como se lesse os pensamentos dela, diz:
"Legal essa sua...roupa."
Feliz da vida, Milena pula nele para o beijar. Sua pele bronzeada roçando a masculinidade do Marinheiro, que têm cheiro de mariola. Ela o chama de nomes amorosos, adocicados, agraciados. Está muito apaixonada, muito mesmo.
"Pare" pede o rapaz.
De repente, ele a põe para fora da embarcação. Fecha a portinhola e não a atende quando ela grita pedindo para retornar. Confusa, devastada e incomodada; Milena dá meia volta até seu quiosquezinho e ali chora até o galo cantar. Sua mente charfuda nas dúvidas: porque ele a expulsou, depois de ter mostrado a ela seu navio imperial, ter dado a ela quarto e coberta e o principal: ter percebido e entendido seu biquíni? O que há de errado com ele?
Exausta, acaba por adormecer envolta por uma fogueira que acendera. Antes disso, vestira seu vestidinho novamente e na fogueira queima o biquíni. Antes de cair no sono, entendeu que a adoração jamais lhe seria dada. Tudo aquilo não passara de petiscos para a manter aguçada. Não importa o que lhe dê na telha de fazer em si mesma: nunca alcançará a adoração e o amor que tanto quer.
Pelo menos, está dormindo em paz e tão pesadamente por sentir a leveza que aceitar isso traz.