E SE EU SOUBESSE QUE IRIA MORRER DEPOIS DE AMANHÃ ?

 

 

    Estava na recepção do meu cardiologista folheando distraidamente uma revista de fofocas, quando a porta do consultório se abriu e um homem com uns quarenta e poucos anos cabisbaixo, com olhos vermelhos de quem tinha acabado de chorar e arrastando os pés, sem falar com ninguém saiu vagarosamente , acompanhado de uma mulher, que também chorava.

    O médico, sério, olhava o casal que se afastava e quando percebeu minha presença mandou que eu entrasse. Já tinha preparado de véspera uma ou duas desculpas sobre minha dieta mas nem tive tempo de dar maiores explicações.

    Segundo o cardiologista, aquele homem que acabara de sair, infelizmente apresentava um adiantado quadro de uma grave doença e , talvez não tivesse mais quarenta e oito horas de vida. Fiquei impressionado com aquela situação.

    Nem prestei atenção às broncas que ganhei por causa da dieta prescrita e não cumprida e no carro, no caminho de volta, comecei a imaginar o que faria se soubesse que teria tão pouco tempo de vida. Confesso que fiquei gelado. Um suor frio desceu pelo meu rosto.

    Teria tanta coisa para consertar em tão pouco tempo! O que eu faria primeiro ? Com certeza, nada de despedidas. Detesto melodramas e portanto, despedidas, nem pensar!

    Também não dividiria meu drama com ninguém. Nada de pânico. A primeira coisa que faria quando chegasse em casa seria organizar uma lista das coisas erradas que ainda daria tempo de consertar, tais como as dívidas e os compromissos bem como as possíveis saídas e soluções.

   Deixaria uma carta para minha mulher e meus filhos pedindo para que não chorassem nem sentissem saudade. Afinal, a vida teria que continuar e não seria justo que minha família ficasse presa a lembranças que o tempo se encarregaria de desfazer e apagar completamente.

    Também deixaria outra carta, desta vez pedindo desculpas a todos aqueles que magoei, feri ou desapontei. Tentaria explicar que não fiz nada por maldade, apenas fui vítima das minhas fraquezas.

    Faria outra carta para os meus inimigos. Na verdade nem sei se os tenho ou nem sei quem são, mais ainda assim me desculparia.

   Aproveitaria para olhar pela última vez aquelas coisas que guardo há tanto tempo tais como fotos, cartas, cartões de natal e de aniversário . E como as primeiras vinte e quatro horas estariam se acabando, aproveitaria para telefonar para os amigos, vizinhos , irmãos e parentes, só para saber como estavam passando, sem nunca dar a entender que aquela talvez fosse a última das minhas ligações.

   Levaria minha mulher e meus filhos para jantar fora, pediria uma garrafa de vinho do Porto, e chegando em casa tentaria assistir a um filme, qualquer um, até que o sono chegasse.

   No dia seguinte, como seria o último, daria um jeito de pular da cama por volta das dez horas. Tomaria um farto café da manhã e em seguida ligaria para o escritório avisando que não iria trabalhar naquele dia e talvez nunca mais.

   Tranquilizaria a secretaria dizendo que estava muito bem, ótimo mesmo. Pediria para que ela esvaziasse minha gaveta e deixaria bem claro que minhas canetas Bic e o calendário de mesa seriam dela, como simples lembrança.

    Avisaria minha mulher para não se preocupar com o almoço. Uma salada de alface e tomate com muito azeite seria como um banquete. Ela não precisaria saber que seria o último. Depois do almoço, tomaria uma xícara de café, trocaria o pijama e voltaria para a cama, pois seria muito melhor morrer deitado do que cair da cadeira e bater com a cabeça no chão. Além do mais, não queria dar nenhum trabalho a ninguém.

   Completamente perdido em meus pensamentos nem percebi que já estava próximo da minha casa. Parei, desliguei o motor do carro, respirei fundo , olhei em volta observando cada detalhe cuidadosamente.

    O muro que precisava de uma nova pintura, minhas plantas que precisavam de mais adubo, os periquitos e o gato da minha mulher.

   Entrei em casa, tirei o paletó, liguei para os meus filhos e conversamos demoradamente. Em seguida fui até a cozinha, dei um abraço na minha companheira, aceitei um cafezinho, ouvi pacientemente as últimas novidades e fui para o quarto.

   Peguei meu álbum e fiquei durante longo tempo observando as fotos dos meus filhos e das minhas netas.

   Depois, fechei os olhos e agradeci a Deus por ter saúde, por estar vivo e por ter mais uma chance e algum tempo para consertar todas as coisas que ainda estavam erradas.

 

 

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(.....imagem google.....)

WRAMOS
Enviado por WRAMOS em 12/01/2008
Reeditado em 05/01/2013
Código do texto: T813912
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