Entre Sem Bater - A Pena de Morte
Evaristo de Moraes Filho disse:
"... para aplicar a pena de morte, a sociedade deveria ostentar a autoridade moral de não ter contribuído em nada para não fabricar este criminoso ..."(1)
O acadêmico Evaristo de Moraes era, antes de tudo, um filósofo, pensador e jurista. Seu pensamento sobre a pena de morte deveria ser um lema para qualquer cidadão e bem, que no Brasil não significa nada. Estes cidadãos que pensam que a pena capital é solução para a violência não conseguirão entender o pensamento do jurista nunca.
A PENA DE MORTE
É provável que o narcisismo ao contrário(2) seja um dos fatores que levam alguns brasileiro a defenderem a pena de morte. Adicionalmente, tenho suspeitas de que são os mesmos que defendem armas para todos, que comungam da mesma fé. Em outras palavras, os caras querem armas para matar e matar quem eles pensam que deve morrer, uns sacripantas. São estes seres que pensam que se a pena de morte é bom para os EUA, deveria ter no Brasil. Em suma, são, em sua quase totalidade, contra o aborto até em caso de estupro e querem a pena de morte como solução.
A pena de morte é, certamente, uma das formas mais antigas de punição, e permanece em vigor em diversos países ao redor do mundo. Os Estados Unidos, a Arábia Saudita e o Irã são, por exemplo, nações que ainda aplicam essa prática emblemática. Contudo, a eficácia da pena de morte como medida dissuasória contra o crime possui contestação ampla.
ESTADOS UNIDOS
Nos Estados Unidos, a pena de morte é legal em várias unidades federativas, mas avaliações sobre sua eficácia são desanimadores. Estatísticas revelam que estados sem pena de morte frequentemente têm taxas de homicídios menores do que aqueles que a mantêm. Um estudo do Death Penalty Information Center(3) demonstra que a pena de morte não é um fator de dissuasão eficaz. Os resultados indicam que a prisão perpétua aterroriza mais os criminosos. Além disso, a possibilidade de erros judiciais, onde inocentes vão à morte, questiona a moralidade dessa prática. A existência de condenações errôneas em um sistema supostamente infalível demonstra as falhas inerentes à aplicação dessa pena.
ARÁBIA SAUDITA
Na Arábia Saudita, onde a pena de morte aplica-se de acordo com a interpretação da Sharia (lei islâmica) a situação é pior. Em outras palavras, há uma tentativa de justificar essa prática sob o pretexto de manter a ordem social e aplicar a justiça divina. No entanto, os índices de violência e as questões de direitos humanos no país sugerem que a pena de morte encobre mazelas maiores. Enfim, naquele país a pena capital não resolve as diferenças sociais e econômicas que geram a criminalidade. Em vez disso, reforça um sistema de medo e repressão incontroláveis. Ou seja, o uso da pena capital é uma ferramenta para manter o controle político e social dos donatários do poder.
IRÃ
No Irã, a situação é semelhante, com execuções frequentemente realizadas por crimes como tráfico de drogas e apostasia(*). Apesar da alta taxa de execuções, o país continua a enfrentar desafios significativos em termos de violência e descontentamento social. A aplicação da pena de morte em tais casos demonstra uma desconexão entre a prática e seus efeitos desejados. Enfim, não há uma redução significativa na criminalidade e as desigualdades incentivam crimes pequenos.
VAI BRASIL !
A defesa da pena de morte no Brasil é um tema que sempre gera debates sem propósito. Entretanto, ao analisar o contexto ético e moral da sociedade brasileira, torna-se evidente que os que defendem a pena de morte são loucos. Por isso, tanto os políticos quanto os cidadãos comuns não possuem a autoridade para defender tal prática ou mudança na lei. A razão para isso reside na complexa teia de desigualdades, corrupção e violência estrutural que permeia o país. Assim sendo, os fatores que geram, perpetuam e até incentivam a criminalidade têm sua origem nesta sociedade.
Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que a sociedade brasileira sempre teve profundas desigualdades sociais(4) e econômicas. Essas desigualdades criam um ambiente propício para o surgimento de comportamentos desviantes. Uma vez que grandes parcelas da população não possuem direitos básicos, como educação, saúde e emprego, o caos instala-se. Em um cenário onde o Estado falha em prover condições mínimas de dignidade, muitos cometem crimes como uma forma de sobrevivência. Culpar os indivíduos sem considerar o papel da sociedade e do Estado na origem desses contextos de marginalização é ignorar as raízes do problema.
Surpreendentemente, a sociedade pariu cidadãos de quinta categoria, moral e civilizatória, que defendem a pena de morte para eles mesmos.
ENDEMIA
Além disso, a corrupção endêmica nas instituições brasileiras mina qualquer pretensão de superioridade moral dos que defendem a pena de morte. Políticos e líderes que deveriam ser exemplos de integridade frequentemente envolvem-se em escândalos. Desvio de verbas públicas, propinas e tráfico de influência são, por exemplo, crimes para os quais poucos cumprem qualquer pena.
Esses desvios éticos, praticados por aqueles que ocupam posições de poder, criam um ambiente de impunidade.
Como é possível, então, que essa mesma sociedade, partícipe destas práticas corruptas, reivindique o direito de tirar a vida de um ser humano?
SISTEMA PENAL
Ademais, é importante considerar a seletividade do sistema penal brasileiro. Estudos demonstram que a maioria dos detentos pertence às camadas mais pobres e marginais da população. Nesse ínterim, crimes de colarinho branco, que causam danos sociais muitas vezes maiores, e raramente recebem condenações. Esse viés torna a defesa da pena de morte ainda mais problemática. Em outras palavras, num sistema de justiça seletiva e desigual, a execução capital aplica-se de forma discriminatória.
Diante desse panorama, torna-se evidente que a sociedade brasileira, com suas contradições e falhas estruturais faliu. Estamos numa situação que nenhum cidadão ou autoridade possui moral para defender a pena de morte. Antes de discutir a legitimidade dessa punição extrema, é necessário enfrentar as causas profundas da criminalidade. Entretanto, corrigir as injustiças que permeiam o país, sociais e culturais, é impossível sem educação(5). Somente assim poderemos construir uma sociedade igual, onde a violência não seja uma "solução", mas um problema basilar.
MORAL E CÍVICA
Do ponto de vista moral e religioso, muitas tradições se opõem à pena de morte. O cristianismo, por exemplo, ensina o valor do perdão e da redenção, como apresenta-se, SMJ, no Novo Testamento. "Não matarás" é um mandamento que contrasta fortemente com a prática da execução sancionada pelo Estado. Da mesma forma, o budismo e o hinduísmo enfatizam a sacralidade da vida e a importância do karma. É provável que em todas as religiões, tirar uma vida de outrem gera consequências negativas para todos. Assim sendo, é incompreensível ver pregadores de púlpito fazendo arminha e defendendo população com armas.
Enfim, a pena de morte, longe de ser uma solução eficaz para a violência social, revela-se uma prática falha e estúpida. Com toda a certeza, tanto em termos de sua eficácia real quanto em sua justificação moral e religiosa. A busca por alternativas mais humanas e justas torna-se não apenas uma questão de política pública, mas também de valores éticos fundamentais.
Assim sendo, a sociedade a que se refere Evaristo de Moraes Filho, não tem capacidade ética e moral de defender a pena de morte.
Que me desculpem os amigos que pensam que sou meio rude. Como não tenho amigos que defendem a pena de morte, acho estes uns beócios. E se, quem sabe, um destes defensores não se abre comigo sobre o tema, revela que é um péssimo caráter.
"Amanhã tem mais ..."
P. S.
(*) Nações com religiões fundamentalistas aplicam à apostasia a pena de morte. Se uma pessoa abandona ou deixa de seguir seus líderes religiosos, pratica apostasia, um crime sem perdão.
(1) "Entre Sem Bater - Evaristo de Moraes Filho - A Pena de Morte" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/08/27/entre-sem-bater-evaristo-de-moraes-filho-a-pena-de-morte/
(2) "Entre Sem Bater - Jéssica Benjamin - Narcisismo ao Contrário" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/08/26/entre-sem-bater-jessica-benjamin-narcisismo-ao-contrario/
(3) "Death Penalty Information Center" em https://deathpenaltyinfo.org/ em https://deathpenaltyinfo.org/
(4) "Entre Sem Bater - Jessé Souza - Desigualdade Social" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/08/23/entre-sem-bater-jesse-souza-desigualdade-social/
(5) "Entre Sem Bater - Piaget - Educação nas Escolas" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/03/04/entre-sem-bater-piaget-educacao-nas-escolas/