Entre Sem Bater - Narcisismo ao Contrário

Jéssica Benjamin disse:

"... o narcisismo agora é visto como a raiz de tudo, desde o romance malfadado com a revolução violenta até o consumo em massa fascinado de produtos de última geração e os estilos de vida dos ricos e famosos ..."(1)

A especialista estadunidense certamente não faz seus estudos sobre a sociedade tupiniquim. Certamente, ela nem deve imaginar o que Nélson Rodrigues quis dizer com narcisismo às avessas. Nem tampouco associa a idolatria que estes brasileiros narciso-egocêntricos têm pelos EUA(*).

NARCISISMO

Em primeiro lugar, é preciso esmiuçar o termo narcisismo e seus praticantes, os narcisistas, para falar do narcisismo ao contrário ou às avessas. Desse modo, resumindo um pouco do que existe no Wikipedia, podemos afirmar que:

Narcisismo é um estilo de personalidade egocêntrico caracterizado por uma preocupação excessiva consigo mesmo e com as próprias necessidades. Embora muitos psicólogos acreditem que um grau moderado de narcisismo é normal e saudável em humanos, existem formas extremas nocivas. Pessoas que têm uma doença mental como o transtorno de personalidade narcisista (TPN), uma patologia, apresentam sérias disfunções. O termo narcisismo é derivado de Narciso, um personagem da mitologia grega mais conhecido pela narrativa das Metamorfoses do poeta romano Ovídio, escrita em 8 d.C. O livro III do poema conta a história mítica de um belo jovem, Narciso, que rejeita os avanços de muitos amantes em potencial.

Fonte: Wikipedia (inglês)

Certamente, a deficiência psicossocial, que inclui o narcisismo, avançou com as redes sociais em completo descontrole. Como se não bastasse, dois outros atributos acompanham o narcisismo de maneira inseparável: o egocentrismo(2) e a sociopatia.

Desse modo, podemos dizer que imaginar o que é o narcisismo às avessas é fácil. Surpreendentemente, não é fácil e a maioria dos narcisos ao contrário são piores do que os narcisistas crônicos. Em outras palavras, enquanto o narciso típico, às vezes ou muitas vezes atua em detrimento dos outros, o contrário sempre prejudica outros.

Assim sendo, chegamos ao ponto de definir o narcisismo às avessas ou ao contrário, como disse Nélson Rodrigues. Desta forma, foi  preciso tomar de empréstimo a frase de Jéssica Benjamin, para fazer a contraposição ou afirmação do vira-lata brasileiro.

NARCISISMO AO CONTRÁRIO

Certamente, Nélson Rodrigues não era um especialista em psicologia e psicanálise. Entretanto, era um especialista e crítico ferrenho do comportamento social do brasileiro. E até por isso recebia críticas que o faziam ainda mais conhecedor de seu público e críticos. A expressão "narciso às avessas" demonstrou claramente o que ele quis dizer com "complexo de vira-lata"(3).

"Por "complexo de vira-lata" entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a autoestima." Nélson Rodrigues

O complexo de vira-lata é a representação máxima do narcisismo ao contrário, do brasileiro, que junta-se a outros atributos mais odiosos. Além do comportamento narcisista explícito, as redes sociais expandem os egocêntricos e sociopatas. E eles, sem dúvida, nem se dão conta, apresentando-se como pessoas normais numa sociedade em vertigem(4).

SOCIEDADE EM VERTIGEM

As redes sociais, com sua vasta e instantânea capacidade de conectar pessoas ao redor do mundo, trouxeram uma revolução na sociedade. Contudo, esse ambiente aparentemente democrático e inclusivo transformou-se em um terreno fértil para o florescimento de várias patologias. O narcisismo e o egocentrismo, por exemplo, são as principais, mas a sociopatia e outras caminham juntas. Estas condições psicossociais, que sempre existiram na psique humana, encontraram nas redes sociais o palco ideal para expansão. Em outras palavras, antes estavam com limites geográficos, agora estão livres no planeta, de maneira mais intensa e incontroláveis.

O narcisismo, com a obsessão com a própria imagem e uma necessidade constante de validação externa, se tornou uma norma nas redes sociais. Em plataformas como Instagram, Facebook e Tik Tok, a criação de uma "marca pessoal" e a busca por seguidores se tornaram práticas corriqueiras.

Os algoritmos dessas plataformas, visando maximizar o engajamento, recompensa esse comportamento, com os usuários se expondo cada vez mais. O efeito disso é uma distorção da realidade, onde a aparência se sobrepõe ao conteúdo e a superficialidade ao significado.

Inquestionavelmente, a falta de educação e a cultura dominante determinam que a sociedade está em vertigem.

SÓ EGOCENTRISMO ?

Uma vez que o narcisismo nunca anda sozinho, podemos imaginar que o narciso às avessas não tenha somente este atributo. E, com efeitos, as verificações que os estudiosos comportamentais verificam que o egocentrismo está ali, pari passu. Entretanto, não tem acompanhamento do sociopata ou psicopata às avessas. Com isso temos um comportamento que não deve existir noutros países, daí ouvimos generalizações absurdas sobre o Brasil e os brasileiros.

Por outro lado, o egocentrismo ( incapacidade de considerar as perspectivas e necessidades dos outros), também amplifica-se no mundo digital. Cada indivíduo, ao postar, comentar ou compartilhar, se coloca no centro de uma narrativa própria, onde os outros são meros espectadores. Esse fenômeno se reflete nas discussões polarizadas e na ausência de diálogo genuíno. O objetivo não é compreender ou debater com o outro, mas afirmar a própria visão de mundo.

As redes sociais, em vez de promoverem o debate saudável e a troca de ideias, reforçam bolhas de opinião. Inegavelmente, deste comportamento, alimenta-se o egocentrismo e o narcisismo dos seus usuários.

PATOLOGIAS

A incapacidade ou desinteresse das plataformas no controle dessas patologias nas redes sociais é evidente. As empresas por trás dessas redes, como Meta (Facebook, Instagram) e X (antigo Twitter), não têm interesse em mitigar essas tendências. É provável que, uma vez que são precisamente essas dinâmicas que mantêm os usuários, assinantes e, por conseguinte, geram lucro. Qualquer tentativa de controle, como limites ao tempo de uso ou a redução da exposição a conteúdos potencialmente prejudiciais é inútil. Tudo esbarra, sem dúvida, na lógica do capitalismo de vigilância, onde a atenção do usuário é a mercadoria mais valiosa.

Além disso, o narcisismo e o egocentrismo nas redes sociais são patologias que se alimentam da própria estrutura dessas plataformas. Como também suas estruturas e seu design visam maximizar a atenção e o engajamento dos neófitos. A lógica do algoritmo, que privilegia conteúdos que geram mais interações, cria um ambiente onde o espetáculo do "eu" acima de tudo. Por isso, não há espaço para o diálogo verdadeiro, para a empatia ou para a compreensão do outro. As redes sociais, ao invés de promoverem a conexão humana, acabam por amplificar o isolamento e o individualismo.

FAÇA O QUE EU FALO

Os indivíduos que sofrem destas patologias nunca admitem que suas ações são prejudiciais para a construção civilizatória da sociedade. No entanto, essa admissão raramente levaria a uma mudança de comportamento. Seria algo como, por exemplo, ".. faça o que eu falo e não faça o que eu faço ...". Com toda a certeza, a própria estrutura das redes sociais reforça esses comportamentos egoístas e hedônicos.

O narcisista, ao ver suas postagens tornarem-se virais, recebe a validação que tanto busca. Do mesmo modo, o egocêntrico, ao encontrar pessoas que compartilham de suas opiniões, reforça sua visão de mundo. Nesse sentido, as redes sociais atuam como uma espécie de espelho mágico, que devolve ao usuário as distorções de si mesmo.

IRREVERSIBILIDADE

A questão que se coloca, então, é se é possível reverter esse quadro. A resposta, infelizmente, parece ser negativa. As redes sociais são, por sua própria natureza, ambientes que promovem e recompensam o narcisismo e o egocentrismo. Qualquer tentativa de mudança enfrentaria uma resistência significativa, tanto por parte dos usuários quanto das empresas que operam essas plataformas.

Além disso, o impacto dessas patologias já se estende para além das redes sociais, influenciando a forma como nos relacionamos no mundo real. O culto ao "eu", desde que as redes sociais existem, está lentamente corroendo os fundamentos da civilidade, da empatia e da cooperação. Estes valores, inquestionavelmente essenciais para a manutenção de uma sociedade saudável, se perdem no cotidiano.

Em última análise, o narcisismo e o egocentrismo, que recrudescem nas redes sociais, representam uma ameaça real e presente à ideia de civilização. Enquanto continuarmos a permitir que essas plataformas sejam os principais mediadores de nossas interações sociais, perderemos. E, não somente estaremos contribuindo para a perpetuação dessas patologias, mas ao nos calarmos estamos incentivando-as. O preço a pagar por essa indulgência será alto demais: a erosão da nossa capacidade de viver juntos de forma harmoniosa e empática.

O narcisismo que descreveu Jéssica Benjamin é exatamente o que promove o viralatismo de Nélson Rodrigues. Desde que o termo foi alvo de estudos, tudo a que ele se refere expandiu-se. No caso do Brasil, tem a perversidade dos egocêntricos que esculhambam com o país e os brasileiros. Este pulhas bem que mereciam muitas chibatadas por serem assim, mas estão recebendo milhares de votos e se elegendo.

Mudar o Brasil mesmo, que é o que deveriam fazer, não fazem, mas fogem para a Argentina e ficam vociferando de lá. Mais uma ousadia dos canalhas(5) !

"Amanhã tem mais ..."

P. S.

(*) A idolatria de um grande número de brasileiros pelos Estados Unidos é incompreensível. A maioria, incompetentes aqui no Brasil, preferem arriscar deportação na rota Miami-Confins do que abandonar a idolatria. É relevante não misturar egocentrismo e narcisismo com insolência e arrogância (húbris).

(1) "Entre Sem Bater - Jéssica Benjamin - Narcisismo ao Contrário" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/08/26/entre-sem-bater-jessica-benjamin-narcisismo-ao-contrario/

(2) "Entre Sem Bater - Carl Jung - Egocentrismo" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/08/19/entre-sem-bater-carl-jung-egocentrismo-a-epidemia/

(3) "O Complexo de vira-lata em 2018" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2018/06/21/o-complexo-de-vira-lata-em-2018/

(4) "Entre Sem Bater - Paulo Freire - Sociedade em Vertigem" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/07/12/entre-sem-bater-paulo-freire-sociedade-em-vertigem/

(5) "Entre Sem Bater - Nélson Rodrigues - A Ousadia dos Canalhas" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/01/27/entre-sem-bater-nelson-rodrigues-a-ousadia-dos-canalhas/