Carnavais de outrora
Nunca me passou pela cabeça escrever sobre os carnavais vividos, e bem vividos, no meu torrão natal. Hoje estou com 69 anos de idade, e já completaram sessenta e oito carnavais que Laguna teve a minha presença. O único que não pude comparecer foi por um motivo especial, minha esposa estava prestes a dar à luz ao nosso primeiro filho. Foi em 1978, dezoito dias após o tríduo momesco, que nasceu Rafael. Tive que me contentar em ir a Florianópolis, assistir aos blocos de sujos. Não foi experiência boa, pois os homens travestidos de mulheres, vendo a barriga enorme de minha patroa, faziam carinho em meu rosto e soltavam piadinhas. Logo fomos para casa ver televisão e apreciar notícias carnavalescas.
Tudo começou antes de eu nascer. Meu pai, quando veio do interior de Laguna, SC, de um local que chamávamos de “sítio”, empregou-se no porto e passou a ensaiar na Banda Carlos Gomes.
Todo ano tocava pistom nos salões, com o conjunto do qual fazia parte. Esses eram os únicos dias em que ele perdia noites. Era uma boa causa. O dinheiro auferido nessas tocatas, iriam proporcionar-lhe numerário extra para que mais tarde pudesse ajudar na instrução superior dos filhos.
Onde está a graça disso tudo? Começarei a narrar os devaneios oníricos que participei. Um que não me sai da cabeça foi vivido por mim, minha esposa, meu irmão bem mais novo que eu e outros parentes e amigos que não lembro. Saímos de casa com um litro de butiá curtido com cachaça. Na metade do caminho, o líquido já tinha evaporado. Entramos num bar e compramos um litro de conhaque.
Meu irmão, na época com uns quinze anos, não aguentou o repuxo. Levamos ele até a Carioca, e quase o afogamos de tanta água que demos para ele beber, na tentativa de curar a ressaca. Por sorte, uma das minhas irmã morava no centro da cidade. Foi para onde levamos o mano e onde demos um banho frio de chuveiro nele.
Deixamos ele dormindo lá e às 6 horas da manhã fomos buscá-lo para que o pai não visse que ele dormira fora.
Minha esposa era animada e algumas vezes eu não sabia quem estava mais trôpego ao caminhar, eu ou ela. A folia das antigas não tinha a violência que hoje prospera nas festanças. Às vezes havia briga na avenida ao passar o Bloco da Pracinha (famoso bloco de sujos puxados por trios elétricos), porque alguém resolvia jogar água nos foliões.
Eu, particularmente, não era grande farrista, desfilei uma única vez na avenida, em cima de um caminhão que soltava canhões de confetes. Bebíamos cerveja e comíamos churrasco assado ali, na hora do evento. Um irmão, aquele da bebedeira, e aquela outra irmã desfilaram nas escolas de Samba Brinca Quem Pode e Democratas, respectivamente. Ambos foram campeões com suas escolas e ele ainda samba com esposa e filhos.
Nos tempos antigos haviam as escolas de samba Xavante, Vila Isabel, Brinca Quem Pode, Mocidade Independente, Bem-Amados, Mangueira, Os Filhos do Xavante. As três últimas já foram extintas.
Quando surgiram eram blocos e a bateria englobava instrumentos de percussão e sopro. Meu pai ajudou a fundar o Bloco Mangueira, tocando pistom. Uma ou duas vezes ele desfilou na Bandinha Maluca Os Palhaços de Momo. Formada pelos músicos da Carlos Gomes, que arrastava multidões pela avenida com o toque engraçado dos músicos pintados de palhaços.
Eu moro no município vizinho à capital do estado, conhecida como terra dos Manezinhos. Discordo de Tullo Cavallazzi que, numa entrevista ao Aldírio Simões, proferiu o seguinte: “Ser manezinho é gostar do Carnaval de Florianópolis e detestar o de Laguna”. Para mim você pode apreciar tudo que é seu, mas não necessita menosprezar o que é dos outros.
Aroldo Arão de Medeiros
10/06/2022