Armado no banheiro
Estava na praça de alimentação de um modesto shopping localizado em Lauro de Freitas, quando escutei a conversa sobre três rapazes que encontraram um homem armado dentro do banheiro daquele estabelecimento comercial.
Segundo uma mulher que sentava na mesa logo atrás de mim, e conversava com outra moça, um deles disse que o homem estava apontando uma arma para um box que estava de porta fechada.
- Acho que ele queria matar alguém que se escondeu dentro do box. – disse a mulher.
- Matar aqui dentro do shopping? Ele ia causar um estardalhaço. - disse a outra.
Mas o sujeito armado estava usando um silenciador, de acordo com um cara que viu a cena. Ao ser flagrado pelos rapazes, o homem guardou a arma rapidamente e saiu às pressas do shopping. A pergunta que surge é: por que ele não disparou em quem o viu e depois terminou o suposto serviço?
Essa questão é apenas uma das inúmeras que podem ser elaboradas pelo espírito curioso. O evento no banheiro certamente carrega uma ou mais tramas que estão ocultas aos nossos olhos.
É por isso que é inevitável comparar eventos que acontecem na vida real com um conto de ficção. Nas suas “Teses sobre o conto”, o autor argentino Ricardo Piglia escreveu que “um conto sempre conta duas histórias”. Contudo, um evento que acontece na realidade também vai além daquilo que aparece no primeiro plano. Em segredo, um ou mais eventos vão se construindo por baixo do ocorrido que está na superfície. O homem armado no banheiro coletivo é a parte visível de algo muito maior. Nesse caso, enquanto a polícia e o jornalismo investigativo não desvendam o que culminou nesse acontecimento, as pessoas vão elaborando conjecturas.
Isso evidencia a relevância do oculto (para o bem ou para o mal) tanto na realidade quanto na ficção.
É claro que há quem desconfie dessa tese, como o autor do Evangelho de Lucas. Ele acreditava que o oculto era temporário. No versículo 8, capítulo 17, Jesus diz que “não há nada oculto que não venha a ser revelado”. O trecho, que faz parte da parábola da candeia, sugere que nada escapa da conspicuidade. Mas a história e a ficção conseguem desmontar esse otimismo cristão.
Por exemplo, até hoje ninguém sabe quais as motivações exatas que levaram Lee Harvey Oswald a atirar no presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy, em 22 de novembro de 1963. E ninguém sabe quem foi que enviou uma carta acusando Camilo de ser “imoral e pérfido”, no conto “A Cartomante”, de Machado de Assis.
São exemplos que estimulam a imaginação das pessoas. O oculto indecifrável abre uma “lacuna” que só pode ser preenchida pela teoria conspiratória, pelos palpites e pelas hipóteses. Pode-se dizer que o oculto incentiva um tipo específico de mercado. Há livros, filmes, documentários que procuram responder questões insolucionáveis.
Observe quantas produções foram criadas para desvendar a obscura identidade de “Jack, o Estripador”, cujos assassinatos chocaram a Inglaterra vitoriana. Acredito que ninguém daquela época foi capaz de cogitar que o brutal homicida se tornaria um enigma que atravessaria as eras.
Como ninguém agora acredita que a identidade do homem armado no banheiro se tornará assunto de livros daqui a 300 anos. É até interessante pensar o tipo de trama complexa que há por baixo do ocorrido no banheiro. Pode até ser uma trama internacional de espionagem ou um confronto entre matadores de aluguel. Cogitar hipóteses parece divertido. Mas o oculto tem um lado claramente horrendo: sem desvendar o crime, o bandido continuará solto e permanecerá escondido à vista de todos.