Entre Sem Bater - Imortalidade ou Reprodução?
Está no filme "Lucy":
"... o conjunto de células que forma as minhocas e os seres humanos têm apenas dois propósitos: a imortalidade ou a reprodução ..."(1)
As produções cinematográficas, surpreendentemente para muitos, carregam mais filosofia e desafios cognitivos do que a maioria dos cinéfilos pensam. Do mesmo modo como outras produções complexas, "Lucy"(*) parece simples, mas exige reflexão, mesmo sendo uma ficção. Desta forma, o nome e a introdução do filme nos remete à dicotomia entre imortalidade e reprodução.
IMORTALIDADE
Da mesma forma que alguns termos bem próximos da filosofia, a imortalidade é um dos que cada pessoa tem uma definição. Entretanto, a performance de Morgan Freeman na produção "Lucy" é exemplar, a começar por algumas frases profundas. Alguns dos pensamentos presentes no filme já estiveram em vários textos desta trilha. Contudo, a preguiça mental das pessoas, em tempos de redes sociais, afugenta de tudo que tenha mais de 280 caracteres sem dancinha.
ANENCEFALIA
Uma das mais interessantes é:
- "... com um neurônio você está vivo, com dois neurônios você se movimenta ... ".
Escrevi, anteriormente, que muitas pessoas sem cérebro tinham enormes esperanças de ter sucesso ou estarem vivos. A sobrevivência, mesmo com anencefalia(2) é uma característica típica de quem tem dois neurônios. Em suma, pessoas têm vida, se movimentam, mas usam menos de 10% do cérebro e às vezes usam mal.
MINHOCAS
As minhocas a que se refere o professor, personagem de Freeman, são, literalmente, seres vivos.
- "... as minhocas e os seres humanos têm apenas dois propósitos ..."
Analogamente, existe a expressão minhocas numa relação que exige mais reflexão. Em outro texto, com uma complexidade maior, as minhocas aparecem a alienígenas e a singularidade(3).
Nesse ínterim, a ficção mistura-se com a realidade e nunca saberemos se as escolhas sobre a imortalidade ou a reprodução são conscientes. É provável que os animais, aqueles que chamamos de irracionais, façam escolhas melhores. Com toda a certeza, os animais estão escolhendo melhor, na medida do possível, sobreviverem e reproduzirem quando consegue,
No meio de toda esta lógica da natureza, os seres vivos com mais de dois neurônios, optam por destruir as chances para a imortalidade.
LINKS NEURAIS
Em meio a todas estas ficções que se misturam com a realidade aparecem sujeitos com as teorias dos links neurais(4). O ser humano não consegue entender e decidir-se sobre o dilema entre a imortalidade e a reprodução e fica inventando moda. A sociedade moderna não dá conta de seus problemas básicos e aparecem os ficcionistas com as viagens a Marte e inteligência artificial (IA).
As redes sociais, por exemplo, tornaram-se um ambiente essencial para a interação humana, funcionando como um habitat virtual. Em outras palavras, é onde as pessoas se encontram, compartilham ideias, pensam, criam laços e expressam suas identidades. Este espaço, assim como o habitat físico em que vivemos, influencia profundamente o comportamento humano.
A contraposição entre um habitat acolhedor e um habitat hostil determina se os seres humanos buscam a imortalidade e a preservação. Esta analogia tem aplicação direta ao contexto das redes sociais, revelando como o ambiente digital molda nossas ações, valores e aspirações.
HABITAT ACOLHEDOR
Em um habitat acolhedor, seja físico ou virtual, as pessoas se sentem seguras, capazes de expressar suas emoções e pensamentos. Desse modo, aparentemente, não têm medo de julgamentos severos ou represálias. Nas redes sociais, um ambiente acolhedor se manifesta por meio de interações positivas e apoio mútuo. Contudo, a maioria das comunidades que incentivam o crescimento pessoal e coletivo sofrem restrições. Por outro lado, quando as pessoas percebem que suas contribuições recebem respeito, elas tendem a se engajar mais ativamente. Assim, a evolução sai do espaço de luta e passa para as discussões construtivas, compartilhamento de conhecimento e a evolução.
Esse tipo de habitat digital propicia a reprodução de comportamentos e ideias positivas. As pessoas têm disposição para colaborar, para ajudar os outros e compartilham experiências que são úteis para a coletividade. Assim como em um ambiente físico acolhedor, nas redes sociais um espaço saudável estimula a criação de projetos coletivos. Em outras palavras, surgem iniciativas de impacto social e a disseminação de informações úteis e inspiradoras é profícua.
Quando o ambiente digital é acolhedor, o resultado é uma proliferação de conteúdos que reforçam valores positivos.
HABITAT HOSTIL
Por outro lado, quando o indivíduo percebe um habitat hostil, a tendência é adotar comportamentos defensivos. Neste contexto das redes sociais, este ambiente caracteriza-se por críticas constantes, cancelamentos, polarização extrema e negatividade. Assim sendo, as interações se tornam tensas, e as pessoas sentem a necessidade de se proteger. Ou, surpreendentemente, querem se destacar para garantir sua relevância ou “sobrevivência” nos guetos e bolhas.
A busca pela imortalidade e preservação nestes ambientes observa-se de diversas formas, todas sem conteúdo. A obsessão por likes, compartilhamentos e seguidores, por exemplo, é um comportamento que muitos veem como normal. Por isso, a quantidade de interações positivas torna-se uma medida de relevância e “sobrevivência” social. As pessoas buscam a imortalidade efêmera nu mundo digital recorrendo a comportamentos extremos ou controversos. É, sem dúvida, uma tentativa de garantir que suas vozes surjam, numa espécie de imortalidade, em meio ao barulho e caos social.
Em ambientes digitais hostis, as pessoas sentem a necessidade de construir uma imagem ideal e impenetrável de si mesmos, pela imortalidade. Essa busca pela preservação da própria imagem leva à criação de personas virtuais muito distantes da realidade do indivíduo. Entretanto, estes perfis servem como uma armadura contra a crítica e o ataque. A ideia de imortalidade aqui se manifesta na tentativa de deixar uma marca indelével no espaço digital. Em outras palavras, através de postagens virais ou da construção de uma “marca pessoal” que resista ao tempo, cria-se a imortalidade.
O EQUILÍBRIO
Assim como em qualquer ecossistema, o equilíbrio é essencial para o bem-estar dos indivíduos e da comunidade. Um habitat digital saudável, que acolhe, mas também desafia de maneira construtiva deveria ser o desejável. As redes sociais, portanto, refletem a complexidade do comportamento humano em ambientes diversos.
O desafio é cultivar e manter um habitat digital que seja ao mesmo tempo acolhedor e estimulante. Desse modo, as pessoas não estão se sentindo seguras para criar e colaborar. Espaços digitais com equilíbrio, certamente devem existir em algum lugar. Talvez a imortalidade pode surgir não só com a reprodução de ideias e comportamentos positivos. Desta forma, uma busca pela relevância que enriqueça o coletivo, em vez de fragmentá-lo, seja uma opção que ainda não vemos florescer.
Definitivamente, os grupos de redes sociais e aplicativos de relacionamento trabalham numa espécie de busca da imortalidade do pior do ser humano.
PALAVRINHA FINAL
É provável que os orangotangos sejam a espécie mais próxima dos seres humanos. A "pessoa da floresta" costuma viver sem pisar no solo e é aparentemente gentil. Estudiosos dizem que ele resolve problemas coletivos e tem a capacidade de pensar. Deveríamos aprender alguma coisa com eles em termos de coletividade e imortalidade e não dizimá-los. Orangotangos e golfinhos deveriam nos ajudar na busca pela imortalidade, para o bem da humanidade.
É provável que minhocas e seres humanos consigam continuar a se reproduzir, mas conseguir a imortalidade, vai ser mais difícil.
"Amanhã tem mais ..."
P. S.
(*) AL 288-1, Lucy ou Dinkʼinesh (em aramaico) é uma coleção de várias centenas de pedaços de osso fósseis. É uma parte de um esqueleto de uma fêmea da espécie hominídea Australopithecus afarensis. Avalia-se como a primeira representação da versão atual de um ser humano.
(1) "Entre Sem Bater - Lucy, o Filme - Imortalidade ou Reprodução?" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/08/23/entre-sem-bater-lucy-o-filme-imortalidade-ou-reproducao/
(2) "Sobrevivendo com Anencefalia" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2017/06/25/sobrevivendo-com-anencefalia/
(3) "Singularidade, Alienígenas e Minhocas" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2017/01/14/singularidade-tecnologica/
(4) "Entre Sem Bater - Elon Musk - Links Neurais" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/07/05/entre-sem-bater-elon-musk-os-links-neurais/