Itatiaia

Acordei com a palavra na cabeça. Coisa esquisita, essa de a gente acordar e, antes mesmo de olhar se o celular está por perto, de consultar apressadamente as horas, de boceja sonâmbulo para mais um dia comum de fim de mundo, deparar-se com som estridente interiorano: "Itatiaia". Tanta coisa em que pensar logo cedo, como na cotação atual do dólar, por exemplo, e por que os aviões não são feitos do mesmo material da caixa preta, ver-se o sujeito na contramão de pensamentos lógicos.

Impressionantemente, a questão econômica e de segurança pública ficam submersas diante da aleatória e chamativa palavra.

Por que será que ainda existem, neste mundo de praticidades, pessoas assim, tão dispersas, tão facilmente influenciáveis por estímulos invisíveis? Por que investigar e ater-se à palavra esdrúxula, sendo que já são mais de 5h da manhã, e há o lixo a recolher, a cama a forrar, o café por fazer, a vida expressa, que pede pressa, os boletos a vencer.

Por que demorar em atividade tão pouco lucrativa e penosa, sendo que tempo é dinheiro?

Por que não larga a palavra esquisita e alinha-se ao que realmente importa, isto é, à vida prática, à vassoura, e começa a varrer a casa, recolhe o lixo, forra a cama, fazer café, esquece de vez o estímulo invisível? Por que insistir na atividade pouco lucrativa e penosa, como se não bastasse ser invisível?

Do lado de fora da casa, da casa do sujeito pouco prático, um pedreiro e um servente levantam um muro. Chegaram antes das 5h da manhã, a pé, cantantes, eretos e sorridentes. Nem pareciam que iam levantar um muro para proteger alguma coisa de alguma coisa. O pedreiro trouxe na bolsa uma garrafa de café, o servente, pães. Houve um breve acocorar-se, repartiram o café e os pães; sentaram-se, realizaram um breve e silencioso desjejum; em seguida separam o material, calçaram botas, misturam cimento com brita, mexeram a massa, iniciaram a construção...

Lá estão eles, práticos, ágeis, sorridentes, longe de qualquer problema teórico, construindo um muro físico para proteger alguma coisa de alguma coisa. Cá estou eu, disperso, improdutivo, com tantas coisas por fazer, destruindo muros invisíveis, tentando encontrar entre o impalpável resta de sentido que revele a face prática de "itatiaia".

"Itatiaia, como se separa? I-ta-tia-ia? Ita-tiaia? Itatiaia?

Itatiaia, nome de gente ou de... fruta?

Substantivo, tipo? Adjetivo, tipo: Josefina Itatiaia?

Lugar físico ou fictício?

Canhota ou destra? Vice-versa versos?

Móvel ou imóvel?

Pessoa CPF ou pessoa CNPJ?

Feijão por cima ou por baixo?

Dual ou Losartana? Ambos?

Whey ou creatina?

Onde estará tu, Itatiaia, que eu não te vejo?

Ou será que você só é visível aos olhos puros dos pedreiros?"

Damião Caetano da Silva
Enviado por Damião Caetano da Silva em 24/08/2024
Reeditado em 24/08/2024
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