Memórias de um Vegetariano (3)
Julio Arthur Marques Nepomuceno (*)
Depois do episódio da vaca e do frango, agora vou contar sobre o porco que me recriminou.
3ª Parte: O PORCO
Morava no Clube dos 500, e pela janela da sala de refeições, eu admirava o lago ali existente. Mordiscava torresmos feitos pela minha mãe, cozinheira esmerada, sua comida era apreciada por um sem número de pessoas.
Estava distraído, mastigando o torresmo e apreciando o lago que tinha em frente de casa, quando ouvi um arroto monumental vindo do outro lado da mesa. Eu repreendi o autor daquela falta de educação, com um solene PORCO! E era ele mesmo, um porco. Um suíno, para não deixar dúvidas.
Depois do arroto, já havia perdido o apetite, mas ouvi o suíno me recriminar. - Não se manca não, fedelho? Você está devorando a minha sobrinha. Você e sua família. Depois você me chama de porco só porque arrotei!!!!!
Surpreso, respondi: - mas, afinal, o que você é? Não é um porco, em carne e osso? Ele já estava com a resposta na ponta da língua: - osso sim, mas a carne, só enquanto não me matarem. Minha raça morre chorando, mas ninguém liga. Vocês, humanos, são insensíveis.
Deixei o torresmo no prato, e prometi para o porco que não comeria mais a carne dos seus patrícios.
A essa altura da vida, eu já não comia frango e carne de vaca (por conta das minhas experiências anteriores), e agora o porco, arrotando sua indignação, me havia convidado a parar de comer a carne dos seus parentes.
Logo depois da cena, entrou minha mãe, dizendo: - Julio Arthur, você não vai comer o torresminho? Que horror, menino, você está cada vez mais enjoado!!!!! Inventei um monte de coisas... Eu me defendi heroicamente, disse que estava passando mal, e como não podia deixar de ser, minha mãe ficou estrilando. – Você está magro, menino, está pálido, não come nada... Eu faço tudo com tanto carinho e você não come. Bem, acho que não preciso falar mais nada, né? Mãe e comida têm tudo a ver... Eu me senti a pior criança do mundo, o enjoado, o ingrato, o chato, o mau filho...
O fato é que o porco não apareceu mais. Achei que tinha me deixado em paz, ou que tinha sonhado acordado, ou alguma coisa assim. A vida continuou, tudo igual. Minha mãe querendo que eu comesse de tudo e eu não querendo comer nada. Mas, enfim, sobrevivemos.
Um bom tempo se passou, e um dia cheguei em casa atrasado, com fome, e o almoço já havia sido servido. Improvisei com uma linguiça Josefina (aquela fininha, lembram?), e um pão francês. Ia dar a primeira mordida, quando ouvi um enorme - e conhecido - arroto atrás de mim. Era o porco! O mesmo. - Você me prometeu, disse-me ele. Aí eu me dei conta que estava prestes a comer carne de porco. Na pressa e na hora da fome, nem havia pensado nisso. Pedi mil perdões ao porco, improvisei um ovo frito, aproveitei o pão, e nunca mais vi o suíno. Também nunca mais me esqueci da lição.
Hoje, quando vejo um porco, eu sempre me pergunto – será que é ele? Não sei, mas não arrisco. A carne de porco saiu definitivamente do meu cardápio.
(*) Julio Arthur Marques Nepomuceno sou eu