O limpador de telas

Sem perceber, me tornei um limpador de telas. Opa! Melhor reformular essa frase: na verdade, eu me tornei um apagador de conteúdos de aparelhos eletrônicos, tipo celular, tablete, computador etc. Ou será eliminador de lixo eletrônico? Só para não deixar mal-entendidos no ar, refiro-me aos meus aparelhos e ao material que chega ininterruptamente nas minhas redes. Não vou me meter com o alheio, mas, confesso, às vezes, dá vontade de sair por aí faxinando redes sociais. Tem hora que eu gostaria de me tornar um ativista cibernético e apagar tudo, tipo um ludista digital, mas não o farei.

Apagar seria um gesto de resistência, um grito de revolta: “Ei, estou aqui, eu existo além das telas!”. Recado importante: “A vida acontece aqui fora também, o mundo não se resume à internet”. Não uso todos os recursos tecnológicos à minha disposição, mas os que tenho já me escravizam de tal modo que me sinto perdido, confuso, dependente, sufocado. A questão-chave é: posso viver desconectado? Posso sobreviver sem ter todas as facilidades tecnológicas e todos os aplicativos do mundo na minha mão?

Hoje, sinceramente, não sei o que me impacta mais: se a insistência da indústria do álcool — ou etanol — em nos fazer bebuns, ou a obstinação da indústria digital em nos convencer a baixar, usar, consumir tecnologias de informática e comprar aparelhos novos como se eles fossem extensão do nosso corpo; não é que tem gente que dorme com o celular!?

A coisa nos dias atuais está tão esquisita que, se você quiser controlar seu dinheirinho, deve baixar um aplicativo. Se quiser assistir a um vídeo, deve buscar na internet. Vai dirigir nas ruas desconhecidas da cidade? Use um aplicativo de trânsito. Quer montar um cardápio saudável? Fazer yoga? Saber onde tem um supermercado ou uma farmácia por perto? Precisa descobrir o significado de uma palavra? Para tudo o que você imaginar, há uma solução digital, um aplicativo. As respostas estão à sua disposição num clique, num comando de voz, basta passar o dedo na tela do celular.

O que não te contaram é que tudo isso tem vida curta, expira, some, desaparece pra sempre. Aquele vídeo que você baixou faz dez anos, lembra-se? O formato já não é compatível. Só um especialista e uma boa grana para resolver o problema. Deixa pra lá! As fotos que você guardou para rever um dia, mas nunca viu, melhor jogar fora porque ocupam memória, e vão te cobrar caro por espaço extra. O texto que você copiou para ler depois, você não sabe onde arquivou. Ou seja: contente-se com o aqui e o agora e apague o que puder. Esqueça os livros, as revistas. O que resta do mundo é o que conseguimos acumular conforme a capacidade temporária da memória de um mecanismo confiável só até o fim do dia de hoje. Depois…