Entre Sem Bater - O Otimismo dos Tolos

Norman Vincent Peale disse:

"... otimismo é uma filosofia baseada na crença de que basicamente a vida é boa e que, a longo prazo, o bem na vida supera o mal ..."(1)

Em primeiro lugar, tenho muita resistência(*) àqueles que vivem de "orientar" as pessoas que se encontram em situação de desespero. Parece ser uma grande farsa uma pessoa esbanjar otimismo em situações sem solução. Certamente, religiosos como Norman Vincent Peale encabeçam a minha lista de discordância e oposição. Contudo, algumas frases soltas podem ser reveladoras, mesmo que o autor da frase não a tenha como práxis.

O OTIMISMO

A ideia de que o pensamento positivo e o otimismo consertam as coisas ou resolvem problemas é uma grande falácia. Por outro lado, existem os pessimistas e os realistas, sendo que a primeira categoria se equipara a dos otimistas. Desse modo, quando escrevemos estas crônicas tentamos trazer os pensamentos opostos para a realidade do dia a dia.

Podemos, por exemplo, referenciar texto anterior em que Karl Kraus associe o otimismo do diabo(1) achando que pode tornar as pessoas piores. É simplesmente assustador como até algumas pessoas de bem acreditam que só com bons pensamentos as coisas e pessoas melhoram. Assim sendo, é muito fácil ter uma visão realista do mundo e ver como os tolos defensores do eterno otimismo estão sem rumo.

OS TOLOS

Cícero, o pensador da antiguidade, definiu que os tolos eram aqueles de mente vulgar(2). Com toda a certeza, na atualidade, se utilizarmos esta desqualificação, as interpretações podem nem receber a conotação que merecem. Os tolos são, por natureza, otimistas, até por pensarem que os desígnios divinos estão acima de tudo e de todos.

Peale, anteriormente, teve uma citação na trilha "Entre Sem Bater", que parecia um rasgo de realismo. É provável que, quando disse sobre o elogio(3) era a ruína do homem, estava cético quanto ao otimismo. Por isso, devemos ter em mente que os tolos não prestam bons serviços à sociedade com suas crenças e otimismo non sense.

Curiosamente, o otimismo é uma atitude que a pessoa vai adquirindo ou não. Certamente, depende da cultura e da criação que cada criança tem. A contraposição ao otimismo, que se contrapõe ao pessimismo, fomenta gerações de adultos e adolescentes egocêntricos(4).

Perdemos ?

AS BOLHAS

Num mundo com a explosão de ideologias conflitantes, os realistas frequentemente se encontram entre duas forças opostas. Em outras palavras, o espaço entre otimismo falacioso e o pessimismo corrosivo, coloca os realistas num beco sem saída.

De um lado, os otimistas estão envoltos nas suas crenças religiosas e sistemas de pensamento que prometem uma salvação utópica. Vendem, sem dúvida, a ideia de que, com fé e perseverança, tudo se resolverá em algum momento. Se o sofrimento terreno não diminuir a recompensa  será uma eternidade de paz e felicidade.

Por outro lado, os pessimistas, que criticam incansavelmente as falhas da sociedade e do ser humano. Pintam um quadro sombrio onde toda esperança é vã e todo esforço é inútil, nunca propondo, porém, soluções viáveis para os problemas reais.

Entre esses dois extremos, o realista não tem espaço para estourar as bolhas ideológicas que simplificam excessivamente a vida complexa.

OTIMISTAS

Os otimistas, sobretudo a partir das doutrinas religiosas e narrativas seculares, querem promover um futuro brilhante e feliz. Desse modo, constroem bolhas de esperança que, para os de fora, podem parecer irreais ou mesmo ilusórias. Esta visão de mundo, que se recusa a reconhecer as falhas inerentes à condição humana, oferece promessas atraentes. A ideia de que todo sofrimento é temporário e que, no fim, tudo se resolverá para o bem é uma enganação.

Para aqueles que estão dispostos a acreditar, esta bolha oferece conforto e segurança, afastando os receios do caos que permeia a vida. Entretanto, ao fazer isso, também ignora as realidades concretas e os desafios imediatos que necessitam de enfrentamento. A insistência em um futuro ideal se torna uma forma de escapismo, onde os problemas do presente somem em favor de uma crença de redenção.

Os charlatães que utilizam do otimismo, mesmo diante de uma morte ou tragédia iminente estão prosperando a olhos vistos, sem controle.

PESSIMISTAS

Por outro lado, o pessimismo, que é uma resposta à decepção com o otimismo quanto uma visão de mundo autônoma, cria sua própria bolha. Os pessimistas observam o mundo através de uma lente que amplifica as falhas e tragédias da existência humana. Para eles, qualquer tentativa de melhoria é uma forma de ceticismo, e o potencial de fracasso obscurece qualquer possibilidade de sucesso.

Dentro dessa bolha, o pessimismo se alimenta de um ciclo de negatividade que perpetua a inação e a resignação. A crítica constante, embora possa revelar verdades incômodas sobre as injustiças e absurdos do mundo, raramente existe. Em suma, os pessimistas nunca buscam soluções práticas, deixando-os presos em um loop de desapontamento e desespero.

As bestas do apocalipse fogem de todo otimista, assim como aproveitam-se de elementos da realidade para construir suas meias-verdades.

REALISTAS

No meio da guerra ideológica, os realistas buscam equilibrar o reconhecimento das duras realidades da vida. Desta forma, com uma abordagem pragmática para resolvê-las tenta contrapor os absurdos das bolhas extremistas. Contudo, a marginalização do realista é clara pois recebe acusações de ser otimista ou pessimista, dependendo de quem o acusa.

Para o realista, nem o otimismo cego nem o pessimismo paralisante oferecem uma visão de mundo que se alinha com o mundo atual. O realismo não promete um paraíso futuro, mas também não se rende ao desespero e fatalismo. Em vez disso, ele tenta navegar pelas águas turbulentas da vida com os pés firmemente plantados na realidade. No entanto, esta postura de equilíbrio tem a rejeição daqueles que se sentem confortáveis em suas respectivas bolhas ideológicas.

GUERRA IDEOLÓGICA

Os otimistas acusam os realistas de cinismo, por não compartilharem de sua fé no futuro radiante que esperam. Para eles, o realismo é uma forma de rendição ao status quo, uma falta de ambição ou de visão. Os pessimistas, por outro lado, tratam o realismo como uma ingenuidade. Defendem a ideia de que ser realista é uma espécie de recusa em aceitar a inevitabilidade do fracasso e da decadência.

Assim sendo, o realismo sofre, frequentemente, ataques de ambos os lados como uma posição insustentável ou, pior, inútil.

Além disso, o espaço para o realismo diminui ainda mais em uma sociedade com polarizações estéreis. As bolhas ideológicas se fortalecem na era da informação, onde as pessoas tendem a se cercar de ideias que reforçam suas crenças  e dogmas. Isso cria um ambiente em que a complexidade em que as narrativas superficiais predominam. Adicionalmente, todo e qualquer discurso público se torna uma batalha entre extremos.

Nesse cenário, o realista, que busca nuance e soluções práticas, sofre rejeição por completo e recebe acusações insanas e pessoais. Em suma, os pessimistas e otimistas detestam quem pensa e tem argumentos, preferem se agarrar aos ataques ao mensageiro.

GLAMOUR E MARKETING

Vivemos, inquestionavelmente, tempos em que as aparências, o glamour e o marketing estão acima de tudo e de todos.

Para piorar, a falta destes elementos no realismo contribui para seu ostracismo e indiferença. Ele não oferece a segurança emocional do otimismo nem o apelo visceral do pessimismo. Em vez disso, requer uma disposição para enfrentar a incerteza e trabalhar com o que está ao alcance de cada um. É uma tarefa que muitos consideram, certamente, menos atraente do que as promessas simplistas das ideologias extremas.

Dessa forma, o realista não tem saída, ficando com pouco espaço para expressar suas ideias no mundo das bolhas ideológicas. Sua busca por um equilíbrio que reconheça tanto as limitações quanto às possibilidades da condição humana é palavra vazia.

Em suma, é esse realismo que pode oferecer a melhor chance de encontrar soluções verdadeiras e duradouras para os desafios da vida. A guerra que coloca em lados opostos o pessimismo e o otimismo não dá espaço para aqueles que mostram o realismo ou parte da verdade.

A longo prazo, Peale, todos estaremos mortos.

"Amanhã tem mais ..."

P. S.

(*) Apresentar resistência a pensamentos dogmáticos e manipuladores não significa que não se pensa sobre estes comportamentos. Faz parte da necessidade do realista entender e contrapor a estes pensadores e doutrinadores do otimismo. Tenho, com toda a certeza, ojeriza com aqueles que diante de qualquer dificuldade dizem: Pensamento positivo.

(1) "Entre Sem Bater - Norman Vincent Peale - O Otimismo dos Tolos" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/08/22/entre-sem-bater-norman-vicent-peale-o-otimismo-dos-tolos/

(2) "Entre Sem Bater - Karl Kraus - O Diabo" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/06/07/entre-sem-bater-karl-kraus-o-diabo/

(3) "Entre Sem Bater - Cícero - "Os Tolos aka Mente Vulgar" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/02/23/entre-sem-bater-cicero-os-tolos-aka-mente-vulgar/

(4) "Entre Sem Bater - Norman Vincent Peale - A Ruína do Elogio" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/05/03/entre-sem-bater-norman-vincent-peale-a-ruina-do-elogio/

(5) "Entre Sem Bater - Carl Jung - Egocentrismo: A Epidemia " em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/08/19/entre-sem-bater-carl-jung-egocentrismo-a-epidemia/