Entre Sem Bater - Ficção e Realidade

William Faulkner disse:

"... o escritor tem uma incapacidade congênita para contar a verdade e é por isso que escreve ficção ..."(1)

O escritor estadunidense, Faulkner, tem a experiência da verdade e, por isso, consegue escrever ficção, a partir de fatos reais. Atualmente, é o que mais vemos em quase todas as manifestações de arte. A ideia de que a vida imita a arte ou a arte imita a vida perdeu-se nos últimos tempos. É como se tomarmos, por exemplo, alguns romances de Machado de Assis, em especial os que tratam da loucura(2). Certamente, os leitores da atualidade, sem saber da autoria, diriam que o livro é algum tipo de não-ficção ou até biográfico.

FICÇÃO

Em primeiro lugar, a frase-chave de Faulkner exige uma leitura e compreensão atenta, de tal modo que possamos refletir na atualidade. O romancista afirma que um escritor(3) tem incapacidade congênita para com a verdade, e não uma capacidade. É provável que este pretenso paradoxo tivesse a intenção dele para reforçar que nada do que escreveu baseava-se na realidade. Em outras palavras, o que ele se referia como verdade não passava perto de suas obras ficcionais. Com toda a certeza, muitos personagens eram reais e só mudava-se o nome nas suas obras, ou pequenos detalhes, para despistar.

Desse modo, podemos afirmar que a ficção e a realidade, na arte e na vida, não são mais as mesmas. O mundo mudou tanto que antes a ficção previa a realidade, atualmente, a verdade pode não passar de uma versão da ficção. E muitos podem se tornar escritores com um simples teclar de "eu concordo".

UM ESCRITOR

Este texto permite unir a teoria, a ficção, a realidade e usar até a própria experiência de escritor que estou vivenciando. Anteriormente, a minha teoria era de que para saber escrever cada pessoa tinha que ter o hábito da leitura. Eu dizia que para escrever, deveríamos saber ler, o que muita gente confundia com ter uma conclusão do ciclo da alfabetização. Entretanto, a maioria dos leitores, atualmente, não possuem a mínima qualificação para diferenciar tipos de textos e suas características.

Anteriormente, existia a concepção de que um escritor tinha mil leitores que aguardavam seis livros e alguns livros transformavam-se em best-sellers. Paulo Coelho, por exemplo, atingiu seu ápice nesta fase, com milhões ávidos por seus textos e livros impressos. Surpreendentemente, a introdução de muitas tecnologias possibilitou que muitos se tornassem escritores. Nesse ínterim, surgiram os livros digitais, o que tornou a relação meio que "um para um", com um escritor buscando um leitor.

Mas como tudo muda constantemente - mutatis mutandis - agora temos mil escritores buscando um leitor. É impressionante o que pessoas que escrevem legendas de imagens pensem que estão escrevendo um "Haicai"(*). Inegavelmente, devemos incentivar as pessoas a escreverem, e a lerem e entenderem o que leram. Por outro lado, a vida de um escritor é difícil e, neste ponto, minha experiência trilha a estrada de obstáculos para ter a primeira publicação. Em breve, nas melhores livrarias virtuais do planeta, ainda somente em português.

FICÇÃO E REALIDADE

A princípio, quase todos os termos da frase de Faulkner precisam de uma interpretação precisa, em relação ao momento que ele disse a frase. Por outro lado, a interpretação não será a mesma se tomarmos com base para aplicação e entendimentos nos tempos atuais.

Desse modo, o leitor deste texto deve pensar como um escritor diria os seguintes termos, anteriormente e atualmente:

Incapacidade Congênita

Verdade

Ficção

Adicionalmente, agregamos o termo realidade, que possui adjetivações como "virtual" ou o contraponto de ficção, não-ficção e a mentira. Assim sendo, sendo o leitor um escritor ou não, podemos dizer que interpretação e contextualização é tudo. Por isso, reforçamos que não existem paradoxos em algumas frases e que podemos usá-las ironicamente ou sarcasticamente.

Um escritor precisa ser como disse Ariano Suassuna: "... eu gosto do mentiroso que mente por amor à arte ...". Em outras palavras, um escritor que escreve uma mentira, mesmo que seja a partir de uma verdade, é um grande escritor.

Enfim, o mundo não é mais o mesmo, mas os escritores podem parecer muitos, mas não são. É ótimo que tenhamos muitos deles correndo atrás de mais publicações e de mais sucesso editorial, mas separar joio do trigo é essencial.

O MUNDO REAL

Em uma época sob domínio das redes sociais e da comunicação instantânea, os escritores enfrentam novos desafios. O ruído constante do conteúdo efêmero e das interações superficiais é, sem dúvida, o maior deles. Enquanto a Internet oferece um palco para todos, independentemente de talento ou profundidade, ela também cria um ambiente hostil à qualidade. Em outras palavras, a escrita de qualidade sucumbe às legendas rápidas, memes e vídeos curtos que se tornam virais em segundos. Contudo, é justamente nesse cenário que a habilidade de um bom escritor deveria se destacar e se diferenciar.

QUALIDADE

O bom escritor, ou seja, aquele capaz de transformar a realidade em ficção com precisão cirúrgica e sensibilidade, está escasso. Aquele que não é um mero fabricante de frases de efeito ou fabricante de legendas de vídeos virais é um perfil raro. Certamente, sua arte vai além da superfície que explora toda a experiência humana, criando narrativas na mente e no coração dos leitores após cada leitura. A verdadeira literatura exige mais do que a capacidade de captar a atenção em segundos; ela demanda uma profundidade de pensamento. Desse modo, o escritor precisa ter a habilidade em moldar as palavras de forma que elas toquem o leitor em um nível emocional e intelectual.

William Faulkner defendia que o bom escritor não se preocupa em "roubar" ideias, mas mostrar qualidade textual. Assim sendo, transformar a realidade através da ficção de maneira autêntica e envolvente ainda é necessário. Esse processo não é automático nem fácil; ele exige talento e também uma compreensão da condição humana e o compromisso com a verdade artística. Entretanto, mesmo que essa verdade seja dolorosa ou desconfortável, faz parte da verdade ou realidade de cada escritor ou leitor.

UMA ARTE

Enquanto o conteúdo nas redes sociais proporciona aparente entretenimento instantâneo, ele só gera discussões superficiais. Raramente, os ambientes virtuais oferecem algum tipo de reflexão ou a jornada emocional que um bom livro proporciona. A ficção literária, por exemplo, permite ao leitor vivenciar experiências fora de sua realidade imediata. Desta forma, a leitura proporciona uma empatia e compreensão que transcendem o que uma simples postagem de rede social oferece.

Os escritores que realmente dominam a arte de escrever são aqueles que entendem que a literatura é uma forma de diálogo atemporal. Adicionalmente, unem a condição humana, não uma mera ferramenta para ganhar likes ou seguidores. O escritor de qualidade cria mundos que vão além do efêmero, proporcionando ao leitor uma experiência rica, complexa e duradoura. Enquanto as redes sociais ditam as tendências do momento, a boa literatura permanecerá resistindo ao teste do tempo.

Em suma, os bons escritores de hoje, assim como os de qualquer outra época, são artistas que não se deixam seduzir pelas armadilhas da superficialidade. Inquestionavelmente, dedicam-se a esculpir com palavras, criando obras que refletem e transformam a realidade em algo muito mais profundo e duradouro.

No Brasil, estima-se que existam 10 milhões de influenciadores e mais de 200 milhões de seguidores, poucos podem se considerar um escritor de verdade.

A realidade, e não a ficção, é uma só: É o fim dos tempos !

"Amanhã tem mais ..."

P. S.

(*)  Haicai, Haiku ou Haikai, é um poema curto de origem japonesa. A palavra haicai origina-se dos termos “hai” (brincadeira, gracejo) e “kai” (harmonia, realização). Essa forma poética surgiu no século XVI e acabou se popularizando pelo mundo. Apesar de serem poemas concisos e objetivos, os haicais possuem grande carga poética. O escritor que escreve os haicais são os haicaístas.

(1) "Entre Sem Bater - William Faulkner - Ficção e Realidade" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/08/20/entre-sem-bater-william-faulkner-ficcao-e-realidade/

(2) "Entre Sem Bater - Machado de Assis - A Loucura" https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/02/11/entre-sem-bater-machado-de-assis-a-loucura/

(3) "Entre Sem Bater - Jorge Luis Borges - Um Escritor" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/07/25/entre-sem-bater-jorge-luis-borges-o-escritor/