Lições da Cartilha e a aprendizagem para a vida

Chegar em casa, depois da escola, era sempre um momento de euforia. Primeiro porque a fome rompia todos os limites, afinal, uma criança de sete anos, depois de cinco horas de aula, sempre estará faminta; mas também porque a comida da minha mãe era sempre uma experiência acalentadora. Aquele cheiro todo particular que enfeitiçava os sentidos, me conduzia pela mão. Pela mão, não. Pegava-me pelas narinas e me carregava até a mesa, que era simples, tão simples, que se tornou nitidamente única na minha memória. Mas, essa simplicidade era de um carinho tão grande. Me sentia abraçado e protegido por ela. Eu era um filhote de passarinho que se aconchega sob as asas de sua mãe depois de ser alimentado e busca por repouso.

No entanto, não era o repouso que eu queria. Todos os dias, a professora Tereza nos pedia como lição de casa para copiar no caderno a Tabela das sílabas. A “Cópia da Tabela”, assim a chamávamos. E junto com isso, sempre havia uma página da cartilha em que se propunha alguma lição de alfabetização. A palavra lição sempre me foi desejada. Fazer a lição causava em mim um encantamento majestoso. E foi nesse período de alfabetização que descobri isso. Como era deslumbrante o mundo das letras! Desvendar cada universo por trás das palavras me fez imaginar ainda mais.

Aquelas breves histórias das páginas da cartilha eram capazes de me transportar para cada lugar esplendoroso. Eu me perdia em cada lição e não parava nelas. As histórias lidas me inspiravam. Terminava o dever de casa e escrevia eu mesmo as minhas histórias, naqueles mesmos moldes dos textos da cartilha. Foram várias as que produzi e lamento muito por nenhuma delas ter sido guardada e chegado viva até os dias de hoje. Enquanto muitas outras crianças preferiam, nessa idade, desenhar, eu gostava mesmo é de criar histórias. Certamente, eu não estava completamente alfabetizado nessa época e provavelmente esses textos eram confusos, com deficiências gramaticais, ortográficas, semânticas. Mas, me lembro que deitava palavras na folha do caderno e apresentava elas depois à minha mãe, que se encantava com minha imaginação. Que saudade dessas lições!

A propósito, no latim, lição se diz lectio, que também nomeia a leitura. Vejam só: na origem, lição e leitura estão na mesma palavra. Não sei em que momento do desenvolvimento etimológico da Língua Portuguesa houve essa separação. Muito menos quando a palavra lição começou a causar horror nas crianças. Sei apenas que para mim a lição tinha sabor e eu gostava de saber delas.

As lições da escola Jayme João Olcese, lá na 1ª série, com a professora Tereza, criaram raízes em mim e fizeram com que eu fosse sempre um aluno que gostava da escola e que gostava de estudar. E isso perdura até hoje, pois não à toa, me tornei professor. No entanto, esse meu afinco pelo estudo e pela leitura vinha sendo negligenciado por mim nos últimos anos. Me Afastei das lições. Tornei-me um preguiçoso. O celular se tornou a minha cartilha e praticamente só me dediquei a alisar a tela nesse tempo, rolar para cima. Que coisa mais triste! Como eu pude abandonar as "cartilhas", as lições e as leituras e substituí-las por um aparelho?! Grande traição a minha! Não pode haver perdão para isso.

Porém, para todo crime há um tipo de pena e que traz consigo o perdão. Sinto que minha pena foi muito branda até, já que o crime era muito grave. Tão branda que a considero uma benção, uma dádiva: escrever um romance. É o que tenho feito ultimamente. Que trabalheira! Com a escrita, retomei também a leitura, depois de mais de uma ano sem ler um livro sequer. Essa é a pena que tenho cumprido e que tem me reconfortado a alma. Sugiro aos sacerdotes que, ao darem a penitência aos fiéis, lhes peçam Poemas, Contos, Crônicas. Se o pecado for muito grave, como o meu, peçam-lhes um Romance. Sim, um Romance! Sem dúvida, os pecados hão de diminuir, não pelo peso da pena, mas pela leveza da pena que escreverá palavras que encherão os olhos alheios e encantarão o mundo.

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Thiago Sobral
Enviado por Thiago Sobral em 20/08/2024
Reeditado em 21/08/2024
Código do texto: T8133411
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