UMA PLANTINHA CHAMADA EDUCAÇÃO

Em meio a tanta desgraça que os jornais noticiam, que servem apenas para termos absoluta certeza que somos uma raça que caminha alegremente em direção ao precipício, há algo que incrivelmente me fascina: um jovem rapaz que incentiva e acompanha sua mãe, de 52 anos, à escola. As palavras do garoto são simples, mas verdadeiras: “É hora de retribuir tudo o que ela fez por mim”. Fico realmente comovido, a atitude desse filho revela gratidão que é um dos valores em extinção em nosso mundo pós-moderno.

O gesto nobre também me faz acreditar ainda mais no poder transformador da Educação. O grande educador Paulo Freire traduziu isso na frase “a educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem”. Acho, de verdade, que precisamos entender a grandeza dessa provocação. Ser professor é ter a coragem de ir além, é ter coragem para entender que a verdadeira matéria-prima é o ser humano.

Lembro de quando tive a oportunidade de lecionar para jovens e adultos em uma escola pública da rede municipal de Santos. Ainda me recordo o primeiro dia de aula, tantos olhos brilhando, olhos de espanto. Tantas histórias de vida, histórias de recomeço. A princípio fiquei inseguro em dar aulas a pessoas que tinham mais tempo de caminhada que eu, que traziam uma vivência de mundo maior que a minha, mas aqueles alunos me deram uma lição: professor não é o que sabe tudo, mas é o que tem fé no que faz.

Alguns alunos nunca saíram de minha memória. A Dona Otília, uma senhora muito carinhosa, sempre me presenteava com um docinho, contava com orgulho que seus filhos moravam em São Paulo e que eram todos formados. Seu Carlos era um senhor calado, tinha laudo que comprovava distúrbios de aprendizagem, como todos nós tinha o tempo dele para fazer as atividades e sempre o elogiávamos quando finalizava sua tarefa. Seu Alexandre era um senhor um pouco mais jovem que a média da turma, mas muito engraçado, tinha sempre um causo para deliciar a turma. Vendia produtos de limpeza em uma bicicleta cargueira e um dia levou o singelo letreiro, que colocava na bicicleta para anunciar seus produtos, para que corrigíssemos a grafia das palavras. Ele se decepcionou ao saber que havia escrito a palavra cândida com “m”, eu lhe expliquei a regra e disse que ele era um vendedor tão eficiente que os clientes nem notaram o erro.

Estar na escola para alguns alunos mais velhos já é em si algo revolucionário. Superar, muitas vezes, o preconceito da própria família que não entende que a busca pelo aprender é, na realidade, a busca pela vida. Desafiar aqueles idiotas que dizem que “papagaio velho não aprende a falar” e seguir em frente. Minha maior tristeza era quando um deles desistia. Sentia-me culpado em não poder ter sido suficiente, em não dar o que eles realmente precisavam.

Dona Esmeralda foi uma aluna que não desistiu. Tinha, na época, 67 anos muito bem vividos, mas era uma senhora solitária. Eram muitas as histórias de abandono familiar. Ela sempre chegava com um sorriso lindo. Adorava poesias e sempre me pedia indicações, gostava de copiar os versos que mais lhe chamavam atenção em um caderninho que ela decorava. Um dia levou uma camisola para eu dar a minha esposa de presente, falava que casamento é como uma plantinha que tem que ser sempre regada.

Houve um dia que havia poucos alunos na sala, era um desses dias depois de feriado em que muitos enforcam. Ficamos conversando sobre o tema “o que faz você feliz?”. No meu íntimo, eu só queria que batesse logo aquele sinal para poder ir para casa, depois de mais um dia cansativo de aulas o meu corpo só queria banho e cama, quando dona Esmeralda me balançou ao dizer que o que a fazia realmente feliz era estar na escola, pois ali se sentia gente.

Naquela aula Dona Esmeralda me ensinou algo tão precioso quanto seu lindo nome, a escola precisa, antes de ensinar, humanizar as pessoas. Antes de falarmos de conteúdos é importante que falemos de vida, de histórias que estão sendo construídas. O jovem que leva sua querida mãe para escola entendeu isso, talvez nunca tenha ouvido falar de Paulo Freire, mas sabe que a Educação é um ato de amor. Certamente nunca conheceu Dona Esmeralda, mas sabe que esse amor é uma plantinha que tem que sempre ser regada.

Crônica escrita em 2017.