A ERA FROST FREE

Esses dias tive que trocar a geladeira, não que a antiga (se é que se pode chamar de antiga uma geladeira de dois anos) apresentasse algum problema sério, apenas não tinha a tecnologia, atualmente imprescindível, frost free. Os mais jovens não vão nunca saber o que era fazer o degelo de um refrigerador. Não era só um trabalho, era ritual que envolvia todos os membros da casa. Cada um com uma função específica, desde limpar e retirar os compartimentos com o gelo derretido a verificar o que presta o que não presta. Era, sobretudo, um momento de integração familiar.

A modernidade nos dá conforto, mas cobra um preço alto por isso, e não é só monetário, mas fico pensando o que fazemos do tempo que economizamos pelo fato de não termos que descongelar nossos geladeiras. Creio que não esteja sendo bem investido...

O fato é que a chamada obsolescência programada é perigosa, faz com que nos sintamos ultrapassados, que sintamos culpa por não ter alguma coisa, que a gente se sinta um monstro, porque temos o modelo que não vem com aquela função imprescindível que ainda não sabemos para que serve. Tudo bem não é o caso do frost free.

Isso tudo me fez lembrar a geladeira da minha infância. A geladeira, assim no singular mesmo. Geladeira era quase um membro da família, acompanhava-nos por décadas e décadas. A nossa tinha uma singularidade, depois de uns bons anos de uso, o puxador quebrou. Nada de chamar um especialista, o negócio era pôr a criatividade em ação. Passamos a abrir a coitada com uma improvisada chave de fenda e assim foi durante muitos anos.

Não sei quem disse que quem trouxe a fome foi a geladeira, pois o eletrodoméstico trouxe a família uma exigência que até então não tinham: a necessidade do supérfluo. Pode até ser verdade, mas que devia ser um aperto viver sem a boa e velha geladeira, isso devia...

Agora é a onda da televisão, a moda é “Seja digital!”. Quem tem aquela antiga de tubo deve estar se sentindo um proscrito. Marx, há muito, anunciava que o “capitalismo de tal modo desumaniza que já não somos apenas consumidores, somos também consumidos”. E assim vamos, uma frost free aqui, uma Smart TV ali e continuamos bovinamente nossa descartável caminhada.

Escrita em 2017.