Teoria da Literatura

Teoria da Literatura

 

O primeiro busilis que nos afronta é a matéria da pesquisa literária. Afinal, o que é literatura? O que não é literatura? E, qual é a natureza da literatura?

 

Por uma maneira banal pode-se afirmar que literatura é tudo o que foi impresso. Então pode-se englobar os movimentos planetários, a profissão médica, o início da Idade Média, a feitiçaria da Velha Inglaterra e, como ainda argumentou Edwin Greelaw nada relacionado com a história da civilização está fora do nosso tempo, não estamos limitados aos registros impressos ou manuscritos na tentativa de entender certo período ou civilização e devemos enxergar à luz de sua possível contribuição para a história da cultura.

 

Segundo a teoria de Greenlaw os estudos literários tornaram-se não só intimamente relacionados com a história da civilização, mas idênticos a esta. Os estudos se ocuparam de matéria impressa ou escrita como sendo a fonte primordial da maior parte da história. E, naturalmente, pode-se argumentar em defesa que os historiadores ao negligenciarem esses problemas por estarem mui ocupados com a história diplomática, militar e econômica e que, portanto, o pesquisador literário tem justificativa para entrar num terreno fronteiriço .

 

Sem dúvida, ninguém deve ser proibido de adentrar em qualquer área de conhecimento, e há muito a mencionar em prol do cultivo da história da civilização, nos termos mais amplos. Porém, seguindo essa bússola o estudo deixa de ser literário. De fato, há uma picuinha sobre a terminologia e, tudo que está ligado à história da civilização expulsa, em verdade, os estudos literários.

 

Enfim, a identificação de literatura e história da civilização é uma negação do campo específico e dos métodos específicos dos estudos literários.

 

Na poesia lírica, no teatro e na ficção os trabalhos mais relevantes são selecionados com base em critérios e fundamentos estéticos e, os outros livros são escolhidos pela reputação ou pelo valor estético. Essa é maneira comum de distinguir a literatura . Quando expressamos tal julgamento de valor, fazemos o mesmo tipo de julgamento sobre a história, filosofia ou ciência pertence à literatura.

 

A grande parte das histórias literárias incluem realmente o tratamento de filósofos, historiadores, teólogos, moralista, político e mesmo de alguns cientistas.

 

Exemplificando, é desafiador imaginar uma história literária da Inglaterra do século XVIII sem o tratado dado por Berkeley e Hume, do bispo Butler e Gibbon, de Burke e até mesmo de Adam Smith. O tratamento desses escritores, apesar de em geral ser mais breve do que o de poetas, dramaturgos e romancistas, raras vezes, se limita aos méritos puramente estéticos.

 

Corretamente, David Hume só pode ser julgado como filósofo, Gibbon como historiador, o bispo Butler como apologista e moralista cristão e Adam Smith como moralista e economista. Na maioria das histórias da literatura, tais pensadores são debatidos fragmentadamente, sem contexto adequado, a história do tema do seu discurso, sem a real compreensão da história da filosofia, da teoria ética, da historiografia, da teoria econômica. O historiador literário não se transforma automaticamente em historiador adequado dessas disciplinas. Torna-se, simplesmente, um compilador, um reprodutor intruso de textos e ideias.

 

Na história da literatura, a limitação aos grandes livros torna incompreensível a continuidade da tradição literária, o desenvolvimento dos gêneros literários, e em verdade, a própria natureza do processo literário, além de obscurecer o pano de fundo das circunstâncias condicionantes sociais, linguísticas, ideológicas e de outros tipos.

 

Na história, na filosofia e em matérias similares, esta, em verdade, introduz um ponto de vista excessivamente estética. Por isso há tanta ênfase ao etilo expositivo e na organização, basta recordar Thomas Huxley dentre todos os cientistas ingleses, como aquele que vale a pena ler. E, dá preferência as popularizações em detrimento dos grandes originais, dando preferência à Darwin, a Bergson, em vez de Kant.

 

O termo "literatura" parece adequado quando limitamos à arte da literatura, ou seja, a literatura imaginativa. Existem certas dificuldades no uso desse termo, mas, em inglês, as outras possibilidades, como ficção ou poesia, já estão ocupadas por semânticas estritas, ou belas-letras.

 

Uma das objeções à literatura é a sugestão de sua etimologia de litera, de limitação à literatura escrita ou impressa, pois, sem dúvida, qualquer concepção coerente deve incluir a literatura oral. E, nesse aspecto o termo alemão wortkunst e o russo slovesnost levam vantagem sobre o equivalente em inglês.

 

Mesmo a linguagem científica tende para um sistema de signos, como o da matemática ou da lógica simbólica. Seu ideal é uma linguagem universal como a characteritica universalis, que Leibniz começara a planejar já no fim do século XVII. E, comparada com a linguagem científica, a linguagem literária parecerá, de certas maneiras, deficiente.

 

Em abundante ambiguidades, tal como qualquer outra linguagem histórica, é repleta de homônimos, categorias arbitrárias ou irracionais, como gênero gramatical, sendo permeado de acidentes históricos, lembranças e associações. É altamente conotativa. A linguagem literária está longe de ser meramente referencial. Esta tem seu lado expressivo e comunica o tom e postura do falante ou do escritor.

 

Existe ainda outra distinção entre linguagem literária e a científica, pois a primeira, o próprio signo, o simbolismo sonoro da palavra é enfatizado. Todos os tipos de técnicas foram inventados para chamar atenção para ele, tais como a métrica, a aliteração e padrões sonoros.

 

É mais difícil de estabelecer é a distinção entre a linguagem cotidiana e a linguagem literária. A linguagem cotidiana não é conceito uniforme, pois inclui variantes tão amplas como a linguagem coloquial, a linguagem do comércio, a linguagem oficial, a linguagem da religião e até o jargão dos estudantes e malandros populares.

 

A linguagem cotidiana tem função expressiva, embora esta variação tenha anúncio oficial ou apelo apaixonado suscitado por um momento de crise emocional. A linguagem cotidiana está cheia de irracionalidades e mudanças contextuais da linguagem histórica, embora existam momentos em que se deseje quase a precisão da descrição científica.

 

Ocasionalmente, surge a consciência dos próprios signos na linguagem cotidiana. E, surge no simbolismo sonoro de nomes e ações ou em trocadilhos.

 

A interpretação, no sentido que eu lhe dou, é narcisista, e em dois senti dos diferentes: serve, em primeiro lugar, para nos relacionarmos melhor com o mundo mas, também, para mostrar, em certas ocasiões, que o nosso modo de interpretar é mais correto ou útil do que os métodos de outros; e serve, por outro lado, para aumentar o nosso grau de conhecimento (aquisição e processamento de informações) e, em consequência, de auto -conhecimento (a capacidade e as operações usadas para interpretar).

 

Mas, paradoxalmente, a interpretação é também pública, partilhável e intersubjetiva, a um ponto de universalidade que acomoda um número massivo de possíveis relações entre pessoas e a realidade. Interpretar é, em grande medida, discutir a nossa posição no mundo. Tem, por isso, uma dimensão subjetiva e uma dimensão intersubjetiva – sendo certo que toda a interpretação particular consiste numa intersecção das duas.

 

É neste sentido que a descrição de literatura como um conjunto de problemas de interpretação se torna operativa, para os efeitos e propósitos deste texto.

 

O principal mérito da teoria da literatura talvez seja exatamente este: o de se ter constituído enquanto disciplina a partir dos conjuntos de conceitos e perguntas que dão corpo à interpretação de fenômenos literários.

 

A verdade é o domínio de pensadores sistemáticos e, os artistas não são tais pensadores, embora possam tentar ser se não houver algum filósofo cujo trabalho consigam assimilar Toda controvérsia, em grande parte semântica, vaga entre os conceitos de conhecimento, verdade, cognição e sabedoria.

 

Se toda verdade é conceitual e propositiva, então as artes e até mesmo a literatura não podem ser formas de verdade. Há uma verdade bimodal ou plurimodal, pois existem várias maneiras de conhecer. Ou há dois tipos básicos de conhecimento, cada um dos quais usa um sistema linguístico de signos, as ciências que usam o modo discursivo e as artes que usam o representativo.

 

Ambos serão verdade? O primeiro é aquele ao qual os filósofos geralmente têm se referido, ao passo que o segundo abrange o mito religioso, assim como a poesia. O segundo verdadeiro ao invés de verdade. A qualidade da adjetivação expressaria a distinção no centro do equilíbrio, a arte é substantivamente bela e adjetivamente verdadeira.

 

Deve-se considerar como uma das funções da literatura a catarse. A palavra que o grego de Aristóteles, na Poética, tem uma longa história. A exegese do uso que Aristóteles fez da palavra permanece em disputa, mas o que Aristóteles pode ter desejado expressar, um problema exegético de interesse, não precisa ser confundido com o problema ao qual o termo veio a ser aplicado.

 

A função da literatura, dizem alguns, é aliviar-nos, sejam escritores ou leitores, da pressão das emoções. Expressar as emoções é libertar-se delas, como se diz que Goethe se libertou da Weltschmerz ao compor “As tristezas de Wether” . E, também se diz que o espectador de uma tragédia ou o leitor de um romance experimentam libertação e alívio. Suas emoções receberam foco, deixando-o, no final da experiência estética, com a mente calma.

 

Cabe o questionamento: mas a literatura nos alivia de emoções, ou, ao contrário, incita-as? A tragédia e a comédia pensava Platão, nutrem nossas emoções quando deveríamos secá-las. Ou se a literatura nos alivia de nossas emoções, elas não são erroneamente descarregadas por conta das ficções poéticas? Enfim, toda arte deve ser catártica?

 

A função da literatura tem longa história no mundo ocidental, de Platão até o presente. Não é questão instintivamente levantada pelo poeta ou pelos que gostam de poesia.

 

Questionamos quais disciplinas estuda a literatura. Pode-se incluir a retórica, estética e a própria literatura. A retórica a princípio de ocupa com o problema do poder de persuasão que se pode investir a linguagem verbal tratando inclusive da linguagem literária. A estética por sua vez se interessa pela arte em geral e pelos fenômenos de percepção, sensibilidade e inteligência por ela implicados, englobando a literatura como modalidade específica de arte.

 

Conclui-se que a poética, a história da literatura, a crítica literária, ciência da literatura, teoria da literatura, retórica e estética constituem disciplinas distintas entre si, já que se todas se ocupam com a literatura, mas cada um à sua maneira.

 

 

Referências

 

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WELLEK, René; WARREN, Austin. Teoria da literatura e metodologia dos estudos literários. Tradução de Luís Carlos Borges. Revisão da tradução de Silva Vieira. Revisão técnica: Valter Lellis Siqueira. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

 

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 19/08/2024
Código do texto: T8132180
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