O FIM DO GATO FÉLIX

Quando vou à São Paulo, normalmente por conta do trabalho, prefiro ir de ônibus. Cansa menos e aproveito a viagem pra colocar leituras em dia e refletir sobre a vida. Como é de praxe, coloca-se o nome, RG, endereço e telefone numa parte da passagem que o motorista destaca no momento de entrar no ônibus, deixando-a com o pessoal da empresa. Hoje, ao preencher com meus dados, dei conta da importância desse momento, trivial para a maioria das pessoas. Em caso de acidente, os papeizinhos preenchidos serão a única pista para identificar os passageiros, especialmente se tivesse sido grave, com todos integralmente carbonizados, que nem exame de DNA poderia ser feito. Imagino suas esposas, maridos, pais, mães, filhos, enfim, todos recebendo esses pedaços das suas passagens como a última lembrança da sua letra. E a emoção daquele momento dramático. Mais do que cumprir funções legais, como recebimento do seguro, seriam um legado póstumo de valor inestimável, algo que resgatariam lembranças fortes e arrebatadoras. Agora, suponhamos se o passageiro colocou nome, RG, endereço e telefone falsos. E tivesse feito isso só de gozação, achando que nunca sofreria acidente na vida. Assim quando forem buscar os papeizinhos para identificar os corpos, ou o que restou deles, certo cadáver chamaria atenção. No espaço para o nome, estaria escrito Gato Félix. No telefone, 00 00000-0000 No endereço, Via Láctea. No lugar do RG, 1234567890. Esse parece que queria permanecer no anonimato pra sempre. E assim se fez.

Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 19/08/2024
Reeditado em 19/08/2024
Código do texto: T8132025
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