“Vim, vi, venci”

A gente vem e um dia vai. É lei do universo. E a gente chega lá, seja esse ‘lá’ algo que tem diferenças segundo a fé ou seja mesmo algo que não existe, como pensam os ateus. O fato é que Sílvio Santos chega lá, deixando por aqui uma comoção e uma repercussão incomuns, ainda mais que não houve a tradicional despedida para as celebridades. Para o público, ficam imagens do animador sorridente comandando auditórios vida afora.

Como quase todo brasileiro, assisti ao Silvio Santos, se não com aquele frenesi comum aos fãs de carteirinha, certamente o fiz com interesse e algum senso crítico. Se é certo que ri bastante com algumas pegadinhas e me interessei por disputas do ‘Topa tudo por dinheiro’, certo é também que muitas vezes me peguei achando aquilo um divertimento cruel, sobretudo com pessoas simples, humildes, em busca de um dinheirinho a mais. Devo dizer, também, que nunca gostei de assistir ao ‘A semana do presidente’, qualquer que fosse o perfil político do mandatário de plantão; aquilo me soava um momento chapa-branca.

Dito isto, vamos ao lado humano que o carisma do Sílvio Santos deixava transparecer e me permitia reticências que lhe eram plenamente favoráveis e agora se confirmam em alguns recentes depoimentos sobre sua figura.

Sílvio gostava de suas colegas de trabalho e não precisou de uma lei, de nenhuma lembrança para estabelecer cota de 100% para elas em seu programa de auditório, numa época em que não se reverberavam aos quatro cantos legislações em favor das mulheres. Pai de seis filhas, de dois casamentos, viveu cercado de mulheres, no lar e no trabalho. No programa do Sílvio, não se tratava de igualdade para as mulheres, mas de prioridade absoluta para elas, as quais ele tratava com muito carinho, chamando-as de colegas de trabalho – tratamento cordial que foi esmorecendo ao longo dos anos. Talvez a idade requeresse outro personagem!

Quem acompanhou os jogos em seu programa, viu ali um animador que gostava de premiar. Às vezes, com justificável indiscrição, perguntava quanto o concorrente ganhava por mês; então ele fazia as contas e dizia o tempo necessário de trabalho para o participante ajuntar o prêmio já garantido. Cabia ao candidato decidir se correria o risco de perder dinheiro ou mesmo todo o dinheiro já ganho. Que se pensasse bem! O animador dava um tempinho. Feita a escolha, só restava comandar a emoção...

Naquele programa de muito sucesso – o Show do Milhão – notei que, algumas vezes, Sílvio quebrava a neutralidade e deixava transparecer com uma ou outra frase o quanto ele queria que o candidato recebesse o maior prêmio possível, dentro das regras do jogo.

Juca Kifuri diz que recebeu dobrado durante o período em que trabalhou na Copa de 86 pelo SBT; Sílvio ficara tão feliz com o trabalho que mandou o departamento de pessoal dobrar os salários. Sérgio Malandro diz que o patrão aumentou muito o seu prêmio, certa feita em que o comediante se saíra bem no programa e ganhara muito pouco de prêmio.

No Teleton, todos víamos, Sílvio chegava e as doações aumentavam, graças ao seu prestígio com empresários e banqueiros, além da sua força com o grande público.

O professor de português Thiago Ramos e Matos doutorou-se com uma tese sobre o homem do baú. Sílvio recebeu o texto, leu antes da banca, escreveu um bilhete carinhoso, no qual dá nota 10 à tese; depois, telefonou para o jovem e o recebeu em sua casa. A tese virou livro, em cuja capa se estampa o bilhete de Sílvio Santos, agradecendo o trabalho do professor.

Na internet, certamente vão ecoar milhares de menções elogiosas; certamente haverá também algumas críticas – talvez muitas – a posições políticas do patrão e outras a deslizes naturais a quem se expôs por tantos anos. Ossos do ofício! No conjunto, tenho certeza, o saldo é muito positivo e, nas reflexões de fim de estrada, nestes últimos anos em que ficou mais recluso, é possível que Sílvio tenha se preparado para deixar a alegria que compartilhou com milhões e tenha se confortado verdadeiramente com a máxima de César: “Vim, vi, venci”.